O meu primeiro rali: a realização de um sonho (*por Moisés Teixeira - piloto de ralis)
Ora bem, por onde começar... Acho que o rali começou uns meses antes do dia da prova, talvez no momento em que decidi não esperar pelo Euro milhões (esse que está a demorar a acertar nos meus números) para realizar este sonho de longa data.
Ora bem, por onde começar... Acho que o rali começou uns meses antes do dia da prova, talvez no momento em que decidi não esperar pelo Euro milhões (esse que está a demorar a acertar nos meus números) para realizar este sonho de longa data.
Podia fazer uma “check list” de tudo com que tive de me ocupar, mas vou tentar sintetizar para não assustar ninguém: ora então temos carro, assistência, pneus, fato, luvas, capacete, hans, roupa interior ignífuga (sim, roupa interior!) licenças, inscrição rali, testes, reconhecimentos (carro e pneus para os reconhecimentos), decoração do carro, vídeo, fotografia... acho que deve estar tudo. Afinal fala-se muito da paixão pelos ralis, e efetivamente será a melhor palavra para descrever o que nos move, pois só algo irracional como são as paixões, poderá justificar o que leva alguém a atirar-se de cabeça para participar num rali, e também para o ir ver (andar kms a pé, esperar horas pelos carros, “comer pó”, levar com pessoal a fazer barulho com motosserras).
Acho que foi em 99 que “decidi” que um dia tinha que passar no confurco, quando vi passar lá o Mitsubishi do Tommy Makkinen, o Corolla do Carlos Sainz, o Ford do Colin McRae, o Subaru do Richard Burns, entre muitos outros que alimentaram o “bichinho”. 16 anos depois, quem diria que seria numa sexta-feira 13, à noite, em estreia absoluta em ralis e pisos de terra, que eu teria a oportunidade de realizar o meu sonho – e não é que correu bem? Nem fosse eu de Montalegre… venham muitas sextas 13 como esta!
Na sexta-feira, à medida de que se aproximava a hora para o meu arranque, o nervoso miudinho começava a instalar-se, já estava a ouvir as notícias das primeiras passagens, o piso não estava famoso… e lá vou eu mais uma vez “verter águas”, que isto de fazer ralis parece que dá para comprimir a bexiga. Nisto, dizem-me: “a 1ª PEC foi neutralizada, houve um acidente… já não vais fazer esta”. Imediatamente diz o Ricardo ”Calma… não sabemos, só lá em cima é que vamos saber”. Mas continuavam as noticias a chegar que toda a gente estava a fazer apenas ligação – comecei a pensar que a estreia ia mesmo ser adiada. Preparamos o carro, balaclava, hans, capacete e luvas, e aí vamos nós para (pensava eu) fazer um passeio até ao controlo e voltar para a assistência.
A ligação foi feita num ritmo “certinho” mas sempre em segurança, num ambiente descontraído, a conversar sobre os procedimentos, e eu sempre a pensar que íamos só fazer um passeio. Chegámos ao início da PEC do Confurco, o Ricardo olha para os carros e diz-me: “Estão a arrancar, vamos fazer a PEC”. Gelei, “É Agora!” – pensei. Disse-lhe “vá, isto tudo foi só para eu vir relaxado não foi?”. Como fez durante todo o rali, tranquilizou-me e mais uma vez me disse para ter calma, que eu só ia fazer o que sabia, e que se assim fosse estava tudo controlado! E não é que ele tinha razão?
Andamos uns metros, vejo o cronómetro a contar para os carros da frente, as rotações dos motores a subir e… lá vão eles, em breve somos nós! Mesmo antes de arrancarmos volta a pairar a possibilidade de neutralização da PEC. Aguardamos mais uns minutos (“f*** que é para testar os meus nervos” – pensei). Tudo ok, vamos mesmo! Avanço para o controlo, e ao parar o carro antes da célula, a frente afunda-se nos “buracos” dos arranques anteriores - “Calma” diz-me o Ricardo ”é normal, não passes é a célula”. Pensei: “mas eu agora não estava nervoso… ou estarás tu a ficar pelo facto que ires aqui com o rookie?”. De uma coisa tenho certeza, eu não tinha tanta confiança em mim como senti o Ricardo ter, e isso sem dúvida que me ajudou e MUITO a acreditar em mim e que eu seria capaz!
“30 Segundos” – oiço, diz-me o Ricardo: “Vamos agora!”.
Respiro fundo, olho para o cronómetro, olho para a caixa, subo as rotações, lembro-me de tudo que sempre disse para mim mesmo “Não arrisques, vai calma, mas sem medos! Tu consegues!”
O Ricardo começa a contagem, é agora! “… 5,4,3,2,1, VAI!”
Arranco com confiança e todas as incertezas ficaram para trás, no momento exato em que encosto o pé a fundo para sair dali e arrancar para a 1ª PEC que ia fazer num rali…e logo esta!
Poderia ser melhor? Naquele momento sim, era chegar ao fim da PEC, passar pelo Confurco, concretizar um sonho! E não é que cheguei?
Os primeiros kms foram mais complicados, no planalto estava muito pó, deixado pelos outros carros. Houve momentos em que não dava para ver mais do que uns 10 metros à frente do carro, principalmente nas retas mais longas mesmo antes da subida para o 1º salto.
Assim que chegámos á Zona do 1º salto, começo a ver as luzes do público, e sim, as notas do Ricardo eram mais de 50% daquilo que me mantinha dentro da estrada. Ali a nota, era “lomba a fundo ligeiramente pela direita” - nesta passagem, não tive a coragem para seguir a parte do “a fundo”, mas felizmente tive o dia seguinte para retificar essa falha!
Mais uns kms e começamos a descer para o Confurco. Assim que faço aquela direita a meio da encosta, levanto os olhos para o outro lado do monte e vejo aquela moldura humana, pensei: “ESTOU A CHEGAR!!!!!”. Acho que a melhor expressão para o que senti naquele momento é mesmo esta: “Até os t****** batiam palmas!”
Continuamos a descer, faço a esquerda longa e a nota seguinte dizia que vamos entrar no asfalto. Naquele momento, e de forma geral durante todo o rali, não dá tempo para pensar muito, o que se pede é mesmo ação! Por isso, nem pensei muito se ia ou não usar o travão de mão na saída do asfalto para a terra, fiz aquilo que me pareceu melhor no momento, e vá, o que mais me divertiu! Dei-lhe um “cheirinho” para soltar a traseira e SIGA!!! Ok, não foi brutal, mas não foi mau! E felizmente no dia seguinte ainda pude reviver a coisa de dia, mas já lá vamos.
Começamos a subir, e que gozo me deram aquelas curvas largas da subida, onde dava para soltar mais o carro. Mais uns segundos e entramos na aproximação ao salto da pedra sentada.
Bom, à noite acho que foi um saltinho, mas mais uma vez tive a sorte de poder fazer «restart» - mais o menos como as 20 vezes que repetia o arranque no Colin 3 na etapa França 4, para melhorar nuns segundinhos o tempo final!
Fazemos mais uns metros e oiço: “Acabou! Tá bom, tá bom…. Tá boom!” hehe! Grande copiloto que arranjei! Pelo menos apoio moral não me faltou!
Fazemos a ligação até ao parque de assistência a conversar sobre aquela 1ª PEC, as dificuldades sentidas, o que podia ser trabalhado / melhorado. Já lá em baixo, tinha toda a gente à espera! “Chegámos, e tudo inteiro! Está BOM!”
Cumprimos os tempos de entrada, saída, e para a 2ª passagem a história foi inversa, fizemos a ligação, ia cheio de vontade de andar, e já lá em cima vemos que a PEC tinha sido neutralizada.
Voltamos para o parque de assistência e diz o Carlos depois de eu lhe dizer que estava cheio de vontade de ir outra vez: “Foi melhor assim… já estavas com muita confiança!” - Acho que ele teve razão, foi melhor assim!
No dia seguinte, lá fiz o «restart», desta vez para a versão completa da Lameirinha, mas com a passagem pelo Confurco: “agora é que vai ser a sério, ontem foi para aquecer” – pensei.
Arrancamos, e desde os primeiros metros senti-me muito mais confiante - acho que o facto de ser dia também ajudou! Diz-se na minha terra que “de noite todos os gatos são pardos“…
Desta vez, o 1º salto foi com a confiança total nas notas, “a fundo”.
Quando faço a mesma direita da noite anterior e vejo a moldura humana do Confurco… não pensei nada! Não deu tempo, ia ocupado a tentar andar mais depressa!
Entramos na esquerda que vai para o asfalto, e assim que estou no ponto certo da curva, PEDAL NO FUNDO e não larguei até ao momento que decido soltar a traseira completamente com o travão de mão ainda no asfalto!
Foi um bocadinho demais, tanto que quase “lambi” a valeta do gancho já na terra, e custou-me ali uns segundos…
Depois disto, tudo o que viesse era lucro! O “sonho do confurco” estava realizado, e digamos que desta vez o salto também foi digno desse nome!
Curiosamente, sinto que o meu verdadeiro rali começou depois de fazer esta parte da Lameirinha. Entrámos numa zona onde me senti muito mais à vontade, com curvas mais apertadas, estradas mais estreitas e que forçavam uma velocidade menor mas um ritmo muito bom. Foi também a partir daqui que as notas foram “tudo”, pois se na parte inicial da Lameirinha ainda houve alguma réstia de memória das curvas, depois disso todas as curvas do rali foram feitas pelo que as notas indicavam.
A meio do rali, no fim de Luilhas 1, depois de algumas desistências e beneficiando de azares alheios, estava momentaneamente em 2º lugar na minha classe. A pressão de tentar num 1º rali manter esta posição, fez com que na primeira PEC da tarde, Montim 2 cometesse alguns erros, alguns excessos, e com isso em vez de melhorar, piorei os meus tempos. No final da PEC o Ricardo ajudou-me a voltar a concentrar-me no essencial, a condução. Depois foi manter o ritmo, sem cometer erros, sem arriscar e tentando andar mais depressa sem sair da minha “zona de conforto”. Afinal o principal objetivo era terminar o rali!
Para as últimas PECs, saímos já com a calandra de faróis, pois já iriamos partir de noite. Com a noite, os tempos não melhoraram e no final do rali, conseguimos uma 3ª posição na classe que foi para mim um resultado fantástico!
Foi uma estreia EM GRANDE “no palco dos sonhos”, e tenho que agradecer a toda a minha equipa, a Matos Competições, que manteve o meu Peugeot 206 sempre impecável e que não deu quaisquer problemas durante todo o rali! A esse particular atribuo 49% do mérito de acabar o rali, deixo maioria com 50% para o trabalho do Ricardo, e para mim, fica 1% que foi aquilo que foi deixado “à sorte” nas mãos de um estreante em ralis que apenas tinha muita vontade de realizar um sonho e dar um grande pontapé de saída no que espero ser um grande campeonato no FPAK Norte em 2015!
Ainda um grande obrigado a todos os patrocinadores deste projeto que acreditaram em mim e permitiram tornar este sonho uma realidade:
Fiquem com o nosso “Best Of” deste grande rali que foi o Serras de Fafe 2015!
Vemo-nos em Guimarães! Até já! ;)
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