Espaço dedicado às crónicas, artigos de opinião, fotos e curiosidades, tudo à volta do mundo dos automóveis

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

DUAS OU TRÊS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RALI ROTA DA CEREJA DE RESENDE


Estive pela primeira vez na minha vida em Resende no passado fim de semana. Por coincidência havia lá um rali… calhou bem que eu até gosto daquilo, e já que ali estava, olha… participei!

Foi o regresso ao Peugeot 206 da Carvalhido Racing Team, e foi também o regresso da equipa aos ralis após longa paragem e desde logo fiquei encantado com o que iriamos ter pela frente: paisagens deslumbrantes junto ao Douro e troços super desafiantes, um deles com mais de 15 quilómetros, mesmo como eu gosto.


Uma passagem por cada troço para escrever umas anotações que o Zé Carvalhido me foi ditando, outra passagem só para ver se a estrada se adaptava ao que escrevi, tudo sem adversidades, carro verificado e em parque de partida… estávamos prontos!

O rali arrancou com uma divertida super especial ao lusco fusco, assim já pela fresquinha, presenciada por uma bonita moldura humana. Foi curto mas giro, e sem inventar nada o primeiro dia era dado como concluído. Olhos postos na “fatia mais grossa do bolo”, que eram os troços do segundo dia, no qual se previam temperaturas altíssimas dignas de constarem nos livros. (E nem eu imaginava o quão quente ia ser o dia)…

Segundo dia a amanhecer mais cedo que num dia de trabalho normal e estranhamente o despertar foi sem grande custo, ao contrario de um dia normal de trabalho… curioso, não?


Arrancamos pouco depois das 8h da manhã, descontraídos e com vontade de “dar gás” naquela bela classificativa que dava pelo nome de Rota dos Cerejais, uma estrada de bom piso, bastante técnica e com pouca margem para erros, com zonas de travagem fortes, topos cegos, algumas retas a pedir velocidade, curvas para todos os gostos.


Entramos com alguma cautela visto que sentimos bastante o carro a escorregar nos primeiros metros, mas aos poucos os pneus entraram na temperatura certa e o nosso leãozinho portava-se lindamente à medida que “papávamos” estrada. Mas eis que tudo muda num ápice: o concorrente que partia à nossa frente sofre um despiste e a classificativa é interrompida. E aqui começa a nossa verdadeira história deste rali!

Estamos a falar de uma “direita 4”, uma curva cega, abordada a uma velocidade bastante razoável e por infelicidade, naquele local não havia público. O concorrente que partiu à nossa frente capotou, o carro fica tombado sobre a porta do piloto, completamente atravessado na estrada e a obstruir totalmente o percurso, logo à saída da tal direita, portanto sem visibilidade para quem vinha a seguir.


Nós vínhamos a bom ritmo, rapidinhos e uns metros antes damos conta de um adepto sozinho, um senhor já de idade respeitável, de braços (e sachola) no ar. Num primeiro instante achei que poderia estar a “puxar” por nós, mas a atitude do senhor parecia ser mais que isso. O Zé Carvalhido apercebe-se e instintivamente “tira o pé”. Foi a nossa sorte pois logo a seguir damos de caras com o carro acidentado e a travagem foi com auxilio do travão de pé, do travão de mão, do travão de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos anjinhos todos a ajudar. Posso-vos assegurar que foi por muito pouco que não nos enfiamos no tejadilho daquele carro, e se isso acontecesse, não ia ser meigo… nada meigo!

Num ápice percebemos que os ocupantes permaneciam no interior do carro e nesse mesmo ápice aciono o botão S.O.S. do nosso GPS. Ao mesmo tempo o Zé correu mais que a Rosa Mota para a curva anterior, onde já estava a chegar a toda a mecha o Mitsubishi que vinha atrás de nós.

Enquanto isso eu tento perceber o estado dos pilotos acidentados e apesar de aparentemente estarem bem, a única porta possível estava danificada e não abria. Estou eu a tentar de alguma maneira ajudar os rapazes quando do nada o carro se incendeia. Eu não sei como naquele momento consegui pensar direito, corri a pegar o nosso extintor e apaguei a fogueira que tinha já ganho umas proporções demasiado grandes para estar num carro com gente dentro. Nestes entretantos, os ocupantes lá conseguiram partir um vidro e sair por uma das janelas e o rali já havia parado. Parece que a situação já estava controlada. Foi um belo de um cagaço e felizmente sem consequências físicas para ninguém… quer dizer… o meu bravo piloto quase perdia os pulmões com a corrida sprint que deu. Mas se não fosse assim, ia dar asneira de certeza, portanto valeu o esforço. Tal como valeu o esforço do senhor que foi a única alma boa a alertar o perigo eminente daquele local.


Bom, o rali retomou, nós voltamos o normal decorrer da prova, mas para nós aquele episódio deixou-nos desconcentrados com os “ses” da vida. E se aquele senhor já velhote não estivesse ali ou se não tivesse a audácia suficiente para sozinho alertar para o perigo como pôde? E se a gente não conseguisse parar o carro? E se batêssemos no carro acidentado com os moços lá dentro? E se o concorrente que vinha atrás não parasse a tempo..? E se..? E se..?

A segunda passagem por este troço acabou por ser um pouco mais comedida, mais conservadora e a paragem para almoço ainda veio ajudar ao “cair da ficha” para algo que correu muito bem mas que podia ter corrido muito mal.


O rali retoma ao início da tarde com um calor sufocante a apoderar-se de todos e o desafio que tínhamos pela frente era grande. Os mais de 15 quilómetros de “O Penedo”, disputados por duas vezes ao longo de uma estrada rápida, com muitas variações de piso, algumas zonas irregulares, muitas curvas em apoio, mas de um modo geral a exigir muita velocidade, prometia muita lavoura para os concorrentes mas ao mesmo tempo muito gozo.

Era o troço que nos gerava maior expectativa mas entramos na classificativa algo “debilitados” pois a juntar à desconcentração da manhã, o calor era imenso e um pequeno atraso na partida ainda nos deixou mais uns minutos parados na saída, de capacete e fato apertado, a escorrer água tipo chafariz da praça. Partida dada, aos poucos o ritmo foi entrando nos eixos e nos primeiros quilómetros já estávamos a desfrutar um bcadinho do Peugeozito. E desfrutamos, pelo menos até à casa da Dona Alice, uma senhora com idade para ser nossa avó mas que estava como uma jovem, alegremente a ver passar o rali à sua porta até ao momento em que lhe fomos estragar a propriedade. As nossas desculpas Dona Alice, foi sem querer…


Um pequeno erro da nossa parte acabou num encosto ao muro da Dona Alice e consequentemente a roda recuou impossibilitando-nos de prosseguir. Definitivamente aquele não era o nosso dia! Foi uma pena pois aquela classificativa ia ser “do camandro” pelo desafio que era… faz parte.

Agora, voltando ao episódio da manhã, não posso deixar de realçar dois ou três aspetos do sucedido.

Cada concorrente vai equipado com um aparelho de GPS para auxílio em caso de emergência. Os aparelhos contratados para este rali funcionam como localizador e como meio de comunicação com o centro operacional da prova, mas não estão equipados com nenhum tipo de sinalização visual ao contrario de outros equipamentos usados em ralis integrantes em campeonatos. Pergunto-me se pode ser aceitável que, com tanta modernice e tecnologia que há hoje em dia, se permita que cada um de nós se lance à sorte para os troços sem podermos ser alertados atempadamente de perigos como aquele que vivenciamos…

Então não era de termos aparelhos GPS com ecrã LED nos quais seria acionada a bandeira vermelha logo que algum concorrente pressionasse o S.O.S.? Ali naquele caso saberíamos de imediato do perigo e já chegávamos ao local a baixa velocidade.

Ou caso o concorrente capotado acionasse o S.O.S., nós seriamos avisados pelo aparelho para o carro imobilizado quando entrássemos num raio de 200 ou 300 metros por exemplo. Porque ali estávamos sozinhos e felizmente o “homem da sachola” teve coragem para se atirar para a estrada…

Outra situação passa pelos Briefing’s obrigatórios que na minha modesta opinião são apenas úteis q.b. quando deveriam ser 100% uteis. A explicação que por norma é dada sobre o funcionamento do GPS é útil sim, mas e quanto a procedimentos de socorro? Como atuar perante um acidente de terceiros? Como atuar se nós mesmos sofrermos um acidente? Como atuar perante a amostragem de uma bandeira vermelha? Qual a melhor forma de sinalizar um acidente? Isto são tudo questões que acho que têm vindo a ser mais ou menos faladas nos briefings mas de forma algo superficial e antes dos ralis quando o pessoal não está sequer concentrado pois há sempre “mil e uma coisas” para pensar. Mas para mim seria muito mais útil enfatizar estas questões com outra abordagem, e porque não até através de formações periódicas por parte da entidade federativa em colaboração com Bombeiros, Proteção Civil, INEM, etc…?

Creio que isto são pontos pertinentes em que o nosso desporto precisa e pode melhorar. Muito já se fez (e bem), mas ainda há situações que não se pode facilitar. O que vivemos naqueles minutos em Resende traz-me à memória algo “parecido” ocorrido no Rali da Madeira do ano passado em que um concorrente bate em cheio num outro carro que se tinha despistado, simplesmente porque não teve qualquer aviso. Também não teve consequências de maior, mas um dia acontece…

Vivemos numa era cheia de paranoias com a segurança e depois, as mesmas pessoas que não me deixam segurar sem luvas e sem balaclava num funil para abastecer o Peugeot, permitem que sejam utilizados equipamentos de GPS que acabam por nos ser inúteis na questão da prevenção e consequentemente nos colocam no perigo real que era o de embater num carro capotado com gente dentro. Mudem este sistema por favor!

Não quero com isto criticar só porque sim, nem apontar o dedo em específico a ninguém mas de uma forma global, o que não esteve bem nesta prova deve ser identificado para que se possa melhorar no futuro.


Quanto ao rali em si, só posso dar os parabéns a toda a organização, ao Município de Resende, ao Team Baia (em especial ao Sérgio Aguiar e ao Marco Vilas Boas, que foram inexcedíveis) e ao Automóvel Clube Clássicos Caldas de Aregos que nos proporcionaram um evento de muito bom nível, no qual fomos bem recebidos desde o primeiro minuto e onde nunca faltaram “uns mimos” como o jantar de sábado, o lanche a meio da manhã de domingo, o cuidado de ter sempre águas para os concorrentes no final das classificativas, ou mesmo, no nosso caso particular, o cuidado de perguntarem se estava tudo bem connosco ou se precisávamos de algo – até o extintor que esvaziei ficou operacional logo em seguida para qualquer eventualidade! Detalhes que fazem a diferença… só faltaram mesmo as cerejas!


Para terminar, uma palavra de apoio à equipa acidentada, à JJ Team, ao João e ao Filipe, e que este contratempo não seja um entrave para mais ralis a breve prazo.

A todos quantos apoiam a Carvalhido Racing Team o meu muito obrigado, agradecimento extensível ao meu bravo piloto José Carvalhido. Estamos juntos my friend!

Vemo-nos em breve..?




1 comentário:

  1. Rali com muita sorte no meio do azar. Ótima crónica como sempre o fizeste

    ResponderEliminar