Foi com muito agrado que recebi o convite do André Cabeças para o navegar no Rali de Castelo Branco / Vila Velha de Ródão 2023 (perdoem-me mas o nome da prova é muito extenso, irei apenas referir-me à prova como simplesmente Rali de Castelo Branco) e foi quase sem pensar no assunto que aceitei o convite, pois uma oportunidade destas não aparece todos os dias. Experimentar um rali novo, num carro totalmente diferente daquilo a que estou habituado, com um piloto reconhecidamente rápido, não é coisa que desperdice e portanto…embarquei na aventura com entusiasmo!
E são estas dúvidas que me vão inquietando um pouco o espírito nos dias que antecedem a ida para Castelo Branco. Levo 10 anos disto e já sei mais ou menos como se faz, mas o nível a que o André habitualmente roda nas corridas é diferente daquilo a que estou mais habituado e eu não quero falhar!
#DIA1
Pelo caminho, na companhia de James, Moby, Nightwish, Queen e outros senhores do género, lá vou eu sereno mas inquieto, confiante mas desconfiado, com o pensamento “a mil” nas tais dúvidas sobre a minha real capacidade de chegar a um terreno que não conheço de lado nenhum e cumprir à risca a função que me estava confiada a bordo de um carro potente, com um piloto rápido e sem cometer falhas.
Estou eu debruçado nesta minha pequena paranoia enquanto conduzo e eis que literalmente entro numa zona de denso nevoeiro, ideal para enquadrar as minhas dúvidas e inseguranças. Que raios, parecia mesmo cena dos filmes: o nevoeiro a transportar-me para o incerto, sem que eu pudesse vislumbrar o que viria a seguir.
Mas o que veio a seguir foi deixar a névoa para trás e dar as boas vindas ao sol radiante e novamente, como num filme, a primeira coisa que vejo é um outdoor gigante a anunciar com pompa e circunstância o Rali de Castelo Branco. É então que, tal como uma metáfora, as dúvidas dão lugar à convicção que estou a ir na direção certa, é para aquilo que vou, é para aquilo que tenho de estar concentrado e é para aquilo que tenho de acreditar que sou capaz!
Chegado a Castelo Branco, e cumpridos os tramites habituais com o levantamento do road book, enquanto aguardo a chegada daquele que iria ser o 14º piloto dos meus 10 anos à boleia, decido aproveitar o tempo para folhear aquele volumoso caderno de itinerário (a espessura só por já metia respeito), e como estou em terreno desconhecido, olhar para aquelas figuras, para aquelas indicações, só me deixava ainda mais confuso.
Tal como me deixava confuso o funcionamento do “Qualifying”, uma novidade absoluta para mim. Mas como ninguém nasce ensinado, estava preparado para a aprendizagem que esta nova aventura me iria proporcionar.
Aos poucos apercebo-me melhor da “dimensão” da aventura em que estava metido. De facto a rapidez dos troços iria tornar a navegação em algo fulcral e onde o ritmo seria obrigatoriamente muito elevado, a exigir muito dos penduras. Mas há mais: o calor! A “tosta” com que aquelas região brindou os visitantes por estes dias era demasiado quente para ser verdade. Mas era verdade! E era quente! Como iria ser durante a prova, vestidos até aos dentes com equipamentos tão aconchegantes, fechados num carro pronto a “dar calor” e a um ritmo frenético que nunca tinha apanhado antes..? Resumindo, todas as dificuldades que eu achava que este rali ia ter, estavam lá em força!
#DIA2
#DIA3
foto Paulo Homem - Ralis Online |
A primeira passagem, ainda sem contar, foi o momento em que sinto finalmente na pele o que anda aquele carro e o que guia aquele piloto. E posso-vos garantir que é muito! Não fraquejei, não dei parte fraca, aguentei-me nos meus labores de pendura e penso que superei bem aquela estreia. Mas não dá para ignorar as sensações a bordo. Primeiro de tudo o imenso calor (algo que já se adivinhava), mas a potência, a estabilidade em curva, o poder de travagem, o próprio rugido do motor, tudo alinhado ao mesmo tempo serviu para perceber o que me esperava para o restante fim de semana. Sem tirar qualquer valor a qualquer outro dos pilotos com quem orgulhosamente já andei, a verdade é que a este nível não é todos os dias. Faltam-me adjetivos, mas caramba… gostei! Oh, se gostei...!
Mas isto não acaba aqui, ainda tínhamos mais uma passagem de “treinos livres” antes da qualificação, essa sim a contar para algo que não eram feijões.
foto OnePace Media |
Cumprimos o restante traçado num misto de cautela e rapidez para tentar perceber se haveria danos de maior provenientes daquela ligeira saída e seguimos para a zona de assistência onde o “mestre” Pardal iria verificar com olhos de ver se estava tudo ok. E estava! Era hora de entrar no troço, desta vez com o foco no cronómetro.
Sem exageros, com atenção redobrada na dita curva e num bom ritmo (eu diria frenético), conseguimos sem qualquer sobressalto amealhar o 12º tempo da classificação geral no Qualifying, 1º tempo entre os concorrentes do Promo. Estava o objetivo inicial cumprido e para mim estava consumada a estreia, penso que com um balanço positivo. Sentia-me pronto para o rali propriamente dito! E o rali era já a seguir…
foto Duarte Pires - DPMOTORMEDIA |
O calor apertava no momento do arranque mas nada comparado com aquele momento em que colocamos o capacete, fechamos o fato, apertamos os cintos de segurança e fechamos a porta para o momento solene de concentração total onde todos os ruídos e focos de distração desaparecem.
Momentos antes da partida para a primeira classificativa quase conseguimos ouvir os batimentos cardíacos, concentração absoluta. Relembro as primeiras curvas do troço ao André com uma leitura rápida de meia dúzia de linhas do caderno de notas enquanto o relógio nos esgota todos os segundos que restam antes daquele 3,2,1 final… É agora!
Não vos consigo descrever aqueles metros iniciais, tão rápidos e tão encadeados. Era simplesmente surreal a velocidade com que se passava de curva para curva, o ritmo imposto, o poder de travagem (então este..! Minha nossa!).
Seguia-se uma secção de cerca de 2 quilómetros cuja descrição se resume mais ou menos desta forma:
“Esquerda a fundo, 60, direita a fundo, 100, direita a fundo, 100, esquerda a fundo, 150, direita a fundo, 200, esquerda 6, 150, direita 6, 80”…
Para quem está mais familiarizado com esta espécie de escrita “hebraico-fenícia”, facilmente compreenderão o quão devagar íamos ali (ironia). Para quem desconhece os códigos da navegação em ralis, de forma sucinta asseguro-vos que isto significa que íamos rápido como o raio!
Atingido o final deste fantástico troço com sucesso, é com alguma surpresa que o André reage ao que lhe digo: “fazes 5.15”. A isso equivale dizer que havíamos feito o melhor tempo no “Promo” e conseguíamos o 8º melhor registo na classificação geral, bem perto “dos grandes”. Era brutal! Sentia-me em êxtase não só pelo conseguido, mas pela experiência de curvar a 190 kms/h e não me perder nas notas (apesar de não ter sido perfeito num ou outro ponto). Estava a viver uma outra realidade, a realidade de correr a um nível que nunca tinha experimentado e a sensação era extraordinária. Menos a sensação de calor, que essa era demasiado intensa! Não sei bem que temperatura tínhamos no interior do carro, mas se cá fora rondava os 38 graus, dentro do Mirage devia andar na casa dos 60 certamente.
foto Duarte Pires - DPMOTORMEDIA |
Com o mesmo ritmo adotado para a pec anterior, atacamos os 9740 metros desta classificativa sem cometer erros, sempre naquele ritmo frenético, sempre com pouca margem como o piloto gosta, sempre com travagens no limite e sempre com os picos de adrenalina no máximo (pelo menos para mim, que o André parecia impávido e sereno como se fosse a coisa mais natural do mundo pilotar o Mirage “como um louco” naquelas estradas). O calor intenso (quase abafador) era uma dificuldade acrescida, mas lá ia eu dando conta do recado com mais ou menos dificuldades pois não é fácil entrar no ritmo logo à primeira quando tudo é novidade: piloto, carro, troços. Mas sem dar conta estava cumprida a primeira secção do rali e éramos líderes no Promo.
É quando o André, numa análise mais a frio, vai dando conta que o Mirage está com algumas dificuldades em entregar a potência, provavelmente motivado pelo intenso calor. Ao mesmo tempo é notório que a caixa de velocidades estava a mostrar um comportamento “estranho” com uns ruídos que não vêm de origem com o equipamento e com algumas falhas a segurar as mudanças. Algo de errado se estava a passar e eram sintomas iguais aos sentidos pelo André na prova anterior e que viria a resultar numa caixa de velocidades toda partida.
Quase com um sentimento de culpa por termos que abandonar tão cedo, o André lá me ia explicando que o mais certo é que aquilo ia ceder e o estrago era bem maior do que parar de imediato. Como é obvio compreendi e apoiei a decisão. Sei o que implica correr a este nível, tenho noção do investimento que o André tem neste projeto, e claro que primeiro de tudo tem de salvaguardar o material e o orçamento.
foto Paulo Homem - Ralis Online |
E assim termina a epopeia da escrita, bem longa por sinal, mas vivida a fundo! Voltarei em breve. Só não sei quando nem onde, mas voltarei!
Boas férias para quem está de férias! Bons ralis para quem tiver essa sorte!
Sente se ao ler esta crónica como foi importante e maravilhosa esta experiência a um nível que já merecias experimentar. Espero que continuem a apostar em ti. Pois mereces estar lá na máxima adrenalina. Vemos nos por aí nos ralis. Abraço
ResponderEliminarMuito obrigado!
EliminarSe há pessoa que merece, essa pessoa és tu. Muitos parabéns, desculpa mas sinto um orgulho enorme.
ResponderEliminarMuito obrigado!
EliminarVenham mais histórias destas... um verdadeiro adepto que anda lá dentro!!!
ResponderEliminarDo que tenho acompanhado e do que te conheço, sei a dedicação que colocas no teu trabalho para que nada falhe, e por isso já te estás a colocar entre os melhores.
ResponderEliminarVenha o próximo "grande", porque tu mereces.
Grande abraço
Excelente, e bom de ser ler!!👊😀
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