9 de Junho de 2013, Cabeceiras de Basto, Ralisprint de
Abadim. Foi assim que tudo começou. Aquele puto aluado que delirava com os
carros de rali e que sempre sonhou ser piloto, que acompanhava os ralis do lado
de fora sempre de máquina fotográfica às costas, via-se de repente a disputar o
seu primeiro rali como navegador. Nem sabia o que era uma carta de controlo mas
meteu-se nessas funções. Nem sabia como se tiravam notas mas meteu-se nessas
funções… atrevidote, o rapaz!
Esta é a história de alguém que nunca se imaginou a “cantar
notas” e onde apenas nos seus sonhos mais utópicos imaginava poder correr em
ralis, mas ao volante. Esta é a minha história de 10 maravilhosos anos de algo
a que me atrevo a chamar de carreira!
A estreia acontece sem estar prevista. A minha amiga Sílvia,
a “minha vizinha” (outra maluca por carros como eu) decidiu que devia tentar
fazer o rali da terra dela, depois de se ter estreado uns tempos antes numa
outra prova. Com mais ou menos esforços, com mais ou menos contratempos, lá ia
ela mantendo o sonho vivo, mas a muito custo.
Faltavam poucos dias para a prova e liga-me ela com tom de
desânimo: “Vizinho, apetece-me desistir. Vejo o tempo a passar, ainda não
consegui reunir condições e neste momento nem navegador tenho…”
E depois no meio da conversa, pergunta: “Queres vir tu comigo
fazer o rali?”
A pergunta atropelou-me com tal violência que fiquei
desorientado a tentar pensar no que precisava para dizer que sim. E quando
percebi que para dizer sim só precisava de três letras, aceitei o desafio! Fiz
umas chamadas, consegui o equipamento necessário e aqui vou eu lançado ao
desconhecido.
A prova em si, disputada num único troço com 4 passagens
(duas em cada sentido) apresentava algumas dificuldades. A classificativa era
(e é) uma estrada espetacular para a modalidade, mas muito exigente do ponto de
vista técnico. Além disso, no dia da prova o São Pedro decidiu espalhar todo o
seu mau humor por toda a região de Cabeceiras de Basto, de tal forma que a
chuva e o nevoeiro eram tão intensos que mal conseguíamos ver o chão que
estávamos a pisar… estão a imaginar o filme..? Dois maçaricos num carro de
ralis emprestado, debaixo de uma intempérie, a fazer o primeiro rali das suas
vidas no meio da serra… o que é que pode correr mal..? Pelo meio, a boa
disposição e a diversão davam para disfarçar o nervoso graúdinho de ambos, mas
correr naquelas condições foi uma verdadeira epopeia, ao ponto das nossas notas
de andamento, a meio da prova darem lugar a moedas. E sempre que eu ditava uma,
a Sílvia respondia “plim”, como se fosse a moeda a cair numa caixa registadora.
E havia a famosa nota do “acredita”, que fizemos questão de usar como fazem os
profissionais, mas que prontamente levava resposta “eu acredito mas é o c…. que
não se vê nadinha!”
Enfim, prova superada com distinção (pelo menos não fizemos
nenhum arranhão no Citroen AX e o ar de felicidade no final comprovava isso
mesmo), recompensada com a vitória na Taça das Senhoras (sim, eu venci a Taça
das Senhoras!!).
Vizinha, sei que soa muito estranho dizer isto, mas foi
privilégio e um gosto enorme ter sido contigo a “minha primeira vez”!
O resumo da nossa prova pode ser lido em http://mscfotorali.blogspot.com/2013/06/ralisprint-abadim-cabeceiras-de-basto_11.html
Estava assim consumada a estreia, o bichinho da navegação acabava
de nascer naquele dia e viria nesse mesmo ano a ser reforçado quando o Nuno
Maio Gomes, que eu não conhecia pessoalmente, me contacta perguntar sobre a
minha disponibilidade para o navegar no Rali de Famalicão.
Voltei a levar um abanão e fiz questão de frisar que não
tinha experiência, que não era navegador e que só tinha feito uma prova “por
brincadeira”, ao que o Nuno me respondeu algo como “não te preocupes que eu
também não sou piloto”. E lá fui eu de novo à descoberta do desconhecido para
uma prova onde não faltaram peripécias (incluindo uma ida à bouça sem estar no
programa).
Nesse mesmo ano corria o chato do meu “irmão”, camarada,
companheiro e AMIGO de longa data Luís Ferreira, também como navegador e como
forma de encerramento da época dele, decide participar no CAM Festival ao
volante… e adivinhem quem ele desafiou para o navegar..? Acertaram. Fui eu! E
foi das coisas mais divertidas que fiz, livre de pressão e em recinto fechado,
sem muros ou ribanceiras, onde se podia conduzir “mais à vontade”.
Abria-se assim uma porta, pois se em 2013 não fiz mais prova
nenhuma, no ano seguinte toca de novo o telefone. Era o grande amigo Miguel
Silva a dizer com tom de voz muito sério “Senta-te! Senta-te porque o que te
vou dizer vai-te fazer cair: vais fazer o Rali de Viana do Castelo comigo,
vamos como carro Zero e quero que me vás navegar”.
E logo depois foi a
vez do “meu tio Hercas” Santos Pereira a acreditar que eu era o navegador certo para o Rali
São João de Braga e sem sequer dar conta, estava-me a ver lançado num mundo
novo que eu nunca tinha considerado e que estava definitivamente a deixar-me
fascinado e apaixonado.
Nesse mesmo ano de 2014 voltaria a navegar por duas ocasiões
diferentes o Nuno Maio Gomes com o seu fiel BMW, tal como o Santos Pereira no
eterno Opel Kadett, e surgia mais um piloto a confiar nos meus préstimos – o
Marco Pacheco – o qual me deu o privilégio de o acompanhar também em 2 ralis.
Ou seja, sem dar conta, em 2014 disputei 8 ralis no total, o que para quem se
considerava tudo menos navegador, era algo extremamente incrível!
E pelas voltas da vida, as coisas foram-se proporcionando
quase de forma natural. Nos anos seguintes abraço um projeto chamado Encontro
Team do qual ainda hoje sinto um enorme privilégio em “vestir a camisola” e que
me permitiu dar um verdadeiro salto na carreira. Foram várias dezenas de ralis
a navegar o “Boss” Cláudio Ornelas, a experimentar diferentes tipos de carros,
a conhecer diferentes ralis em diferentes regiões, a amealhar experiência e a
travar conhecimentos dentro deste mundo dos ralis, enquanto saboreava o gozo
que era lutar por resultados num campeonato, algo que até ali nunca tinha tido
oportunidade.
E é graças a todo este ritmo em que de repente me vejo
envolvido que vou conhecendo mais equipas, mais pilotos, entre os quais o José
Carvalhido, um amigo que muito respeito e admiro, e que tenho acompanhado
nestes anos mais recentes, mas cuja estreia aconteceu em 2017 no saudoso Rali Rota
do Folar, no qual apenas disputamos 1 troço antes de desistir por avaria, mas
no qual fizemos o 4º tempo absoluto (um bom pronuncio, sem dúvida).
Ao longo desta bem preenchida década, outros pilotos
passaram “pelas minhas mãos”, como o Frederico Figueiredo de Castro – o meu
“mano” Castro – que tive o gosto de apadrinhar na sua estreia absoluta em ralis
e que desde logo me impressionou pela sua capacidade de adaptação e leitura do
terreno; o Manuel Pereira, que me deu a oportunidade de o acompanhar no único
rali que disputei na temporada de 2020, graças à famigerada pandemia de Covid, em
Mesão Frio (tanto nos divertimos nesse rali!); ou mais recentemente a família
Costa – Francisco Costa e Pedro Costa, uma família com longo historial ligado
aos ralis e que também contribuiu não só para o crescimento do meu palmarés
pessoal como também (e sobretudo) para o enriquecimento da minha carreira,
aprendizagem e experiência.
Foi também ao longo destes 10 anos que tive a oportunidade
de participar em provas que ficam na memória. O Rallyspirit (do qual ainda não
estou totalmente refeito da última edição terminada há dias), o Rallye Ria de
Noia, o Luso – Bussaco, o Rali de Ourém… são tantas as memórias e tantas as
histórias…
Curiosamente, ao longo destes 10 anos nunca tinha disputado
um rali em pisos de terra. Efetuei os reconhecimentos de um rali com o
espetacular piloto Capela Morais no intuito de fazer o rali com ele, mas acabou
por não se proporcionar. E curiosamente, ao fim de 10 anos sou novamente
chamado pelo Nuno Maio Gomes para a minha estreia em pisos de terra no BMW onde
já eu tinha estado há 1 década atrás. Um rali também cheio de histórias, a
começar pelo enorme nevão que cobriu de branco o traçado da prova, e que depois
deu lugar à lama e ao nevoeiro. O resultado final pode não ter sido o esperado,
mas enquanto andamos, foi tão…, mas tão divertido! Não imaginam o gozo que é!
Foram até agora um total de 70 provas e mais “um bom par” de
eventos não oficiais e não cronometrados a desempenhar o papel de co-piloto,
acompanhando um total de 14 pilotos, a bordo de 28 carros distintos.
10 anos incríveis, cheios de memórias, maioritariamente
boas, marcados por algumas vitórias e também alguns dissabores (faz parte), com
muita aprendizagem e que também me possibilitaram experimentar o lado do volante,
o tal com que sempre sonhei antes de me render definitivamente aos encantos da
navegação.
10 anos de competição que me abriram os olhos para um
Portugal que desconhecia, que me levaram a regiões incríveis e que me
possibilitaram a “internacionalização” com os ralis disputados em Espanha (mais
uma experiência espetacular).
10 anos intensos que colocaram no meu caminho pessoas
incríveis e que hoje posso chamar de amigos. 10 anos que me motivam para
continuar a aprender, me motivam para continuar a querer ser o mais eficiente e
profissional possível dentro de todo o meu amadorismo e carolice. Só me posso
sentir honrado, privilegiado e sobretudo imensamente grato a todos quantos
fizeram isto acontecer. E digo-vos com muita certeza: estes 10 primeiros anos
foram um bom aquecimento para o que vem a seguir!
Esta crónica é dedicada a todos quantos permitiram e contribuíram
para que eu chegasse a esta marca, em especial aos pilotos que vou mencionar de
seguida, em jeito de agradecimento por terem mudado a minha vida:
Silvia Gonçalves
(Citroen AX 4x4)
Nuno Maio Gomes
(BMW 325 IX)
Luis Filipe Ferreira
(Ford Fiesta XR2)
Miguel Silva
(Peugeot 308)
Santos Pereira
(Opel Kadett GT/E)
Marco Pacheco
(Peugeot 205 TD)
Ademar Pereira
(Renault Clio Williams)
Cláudio Ornelas
(Toyota Yaris, Peugeot 206, BMW 325 IX, Renault Megane
Coupe, Subaru Impreza, Mitsubishi Lancer Evo III, Mitsubishi Lancer Evo VIII,
Mitsubishi Lancer Evo X, BMW 323 Compact, Skoda Fabia TDi, Peugeot 106, Fiat
Panda Kit Car)
José Carvalhido
(Peugeot 106 GTi, Peugeot 206 GTi)
Diana Soares
(Nissan Micra)
Frederico Figueiredo de Castro
(Opel Astra GSi)
Manuel Pereira
(Opel Astra GSi)
Francisco Costa
(Opel Kadett GT/E)
Pedro Costa
(Renault Clio F2000)
E parafraseando uma das minhas maiores referências no mundo
dos ralis - o grande Sérgio Paiva - termino com o título do seu livro dos 50
anos de carreira, adaptada à minha realidade: 10 anos passaram a correr!
Parabéns 🎊 🎊 🎊 que venham mais dez anos de muitas cantorias de notas e também onde mostres as tuas capacidades ao volante tipo (velocidade perigosa) uma crónica cheia de humor e sentimentos. Ah.. Só mais uma coisa Parabéns a dobrar por ganhares uma prova de senhoras não é para qualquer homem não 👌👌👌acabo como comecei Parabéns ☘️
ResponderEliminar🤗 muito obrigado
EliminarFico feliz de fazer parte dos primeiros 10 anos, e espero ainda fazer dos próximos! Abraço grande Miguel !
ResponderEliminar