Nota prévia: este será um texto longo, peço-vos um pouco de paciência, mas há muito para contar.
Confesso que já andava um tanto
ou quanto apreensivo pelo passar dos dias, com tanta coisa a acontecer em torno
das corridas e que tive (tenho) o privilégio de vivenciar na primeira pessoa,
mas que não me deixa qualquer sobra de tempo para que a minha veia de pseudo-cronista
se possa manifestar… será que a minha pré velhice me permitirá recordar as
coisas todas que aconteceram nestas últimas semanas?
Já vem de longe esta espécie de
tradição em que o mês de maio não me permite ter um bocadinho de vida própria
porque me dá tanto para viver neste maravilhoso mundo dos automóveis.
Este ano “a coisa” iniciou-se um
pouco mais cedo, com 4 dias de testes de preparação para o Rali de Portugal,
seguindo-se o Rali de Santo Tirso, seguindo-se novamente mais testes. Depois lá
meti uma espécie de folga para ir dar um jeito ao emprego antes de regressar à
folia – o Rali de Portugal propriamente dito. E chegados aqui a vontade é
escrever “to be continued…” como nos filmes.
A Hyundai Motorsport escolheu
novamente o nosso incomparável Alto Minho para a preparação do Rali de
Portugal. O arranque das atividades ocorreu logo no dia 1 de Maio – feriado – no
espetacular troço da Senhora da Cabeça, em Freixieiro de Soutelo. Estando eu um
ano mais integrado na equipa de segurança, percebi desde logo que iria ser um
dia bem agitado pela multidão que se adivinhava. E assim foi! Tanto que a minha
outra paixão (as fotografias) ficou relegada para segundo plano. Era preciso
manter toda a atenção porque como todos nós sabemos, há sempre exageros por
parte de quem assiste aos testes, e há sempre uma exigência de segurança
redobrada por parte de quem os organiza.
Thierry Neuville foi o primeiro
piloto da marca a espremer o i20 Rally1 Hybrid (estas novas designações nunca vão
destronar o tradicional nome “WRC”) e a minha área de trabalho permitiu
verdadeiramente arregalar as vistinhas: uma parte do troço super rápida, com
velocidades a ultrapassar os 180 kms/h em terra batida e entre curvas. Se isto
não é desafiar as leis da física, então não sei o que é… Simplesmente brutal!
(Pena é que continue a haver gente que acha que isto não é perigoso e que se
ponha a jeito, colocando em causa a sua própria segurança e todo o nosso
trabalho… mas isso são outras crónicas).
No segundo dia, com Esapekka
Lappi aos comandos da máquina coreana, pude assistir a um dia inteiro de chuva
de calhaus de todos os tamanhos e feitios, e pó… muito pó! Mesmo muito muito
pó!. Uma sequência de curvas acentuadas mas rápidas em piso mais solto e com
mais pedra levava o binómio maquina / piloto a escavar de uma forma
impressionante o solo ao mesmo tempo que as suas trajetórias pareciam por vezes
querer ir muito para além dos limites da estrada.
Ao terceiro dia foi a vez do
espanhol Dani Sordo, um piloto que desde sempre considerei ser dos mais
espetaculares em testes e que desde sempre me proporcionou talvez das melhores
fotos desta atividade. Não defraudou uma vez mais e desta vez deu para
experimentar diferentes condições climatéricas: muito sol e terreno seco pela
manhã, muita chuva e lama pela tarde. O resultado foi mais um dia excelente de
grandiosos momentos de condução.
Finalmente, o quarto e derradeiro
dia seria passado com a “divisão Junior” da Hyundai. Teemu Suninen pela manhã e
Fau Zaldivar pela tarde, no mesmo troço utilizado no dia anterior pelo Sordo, e
aos comandos de um não menos espetacular Hyundai i20 Rally2 que em momento algum
deu parte fraca, apesar do estado lastimoso dos pisos, da muita chuva que os
acompanhou praticamente o dia todo e do ritmo frenético imposto por ambos os
pilotos sem poupar nadinha.
Ao longo destes quatro dias de
algum trabalho, de algumas fotografias mas sobretudo de muito divertimento com
a espetacular equipa de Marshal’s que o VMC reúne já à vários anos, a boa
disposição foi uma constante, tal como constante foi o tradicional grelhador e
as “famosas pedras que é preciso tirar do troço no posto 8”. Fome, esta equipa
não passa!
RALI DE SANTO
TIRSO, UM EVENTO SEM PARALELO MAS COM PARALELOS
Despido o colete de Marshal,
rapidamente vesti o fato de competição para voltar às lides da navegação com o
bom amigo José Carvalhido. O Rali de Santo Tirso é uma prova que ambos
gostamos, que em 2022 nos correu bastante bem e que tínhamos muita vontade de
voltar a disputar.
Aproveitando o facto da prova ser
praticamente igual à edição do ano passado, o trabalho de reconhecimentos
estava muito facilitado com as notas já tiradas. Uma passagem por cada troço
apenas para limar arestas e siga para as verificações a fim de ter o carro
prontinho em parque de partida a boa hora.
A motivação da equipa estava em
alta, o nosso Peugeot parecia estar em boa forma e no primeiro de dois dias de
competição teríamos apenas de cumprir com muito juízo a Super Especial citadina
desenhada naquele espetacular anfiteatro do Parque Dona Maria II na qual vários
milhares de espectadores dão um colorido fantástico à modalidade que tanto
gostamos.
Durante a noite o São Pedro
decidiu regar as plantas e os jardins de Santo Tirso mas acabou também por deixar
a agua da chuva escorrer com abundância para as estradas do rali e o dia
seguinte acordava com alguma instabilidade meteorológica que deixava no ar
algumas incertezas: irá chover mais? Será que os pisos estão muito molhados?
Provavelmente o piso vai estar muito escorregadio, que pneus devemos levar…?
Onde é o almoço? (Ah…não, esperem! Esta pergunta não era daqui…).
Lá fomos para a secção matinal
com algumas cautelas pois sabíamos de antemão que a chuva da madrugada deixou
algumas partes dos troços algo complicadas, mas como o nosso objectivo passava
por não arriscar minimamente a nossa integridade, cumprimos em bom ritmo as primeiras
passagens pelos dois troços, melhorando logo os tempos por classificativa,
relativamente ao ano de 2022 (que foi disputado com bom tempo e piso seco,
portanto…evolução contínua).
Vamos então para a primeira
secção da tarde com a segunda das três passagens por Mourinha / Hortal. Ritmo
seguro e rápido na parte inicial até ao “gancho da paragem”, aqui abordagem mais
conservadora para poupar as transmissões, e entramos na parte do empedrado.
Direitas e esquerdas rápidas a
subir, depois uma travagem mais forte para uma esquerda mais “marota” e a
partir daqui gás à tábua novamente até chegar àquela curva à direita que
abordávamos normalmente com vontade (o mesmo é dizer que a fazíamos bastante
depressa). Só que desta vez tivemos uma surpresa à nossa espera: os paralelos
da calçada fartaram-se da posição em que estavam e decidiram vir todos para a
rua ver o rali. Apanhados de surpresa naquela pedreira a céu aberto no meio da
estrada, só deu para evitar o primeiro cubo granítico. Felizmente que as pedras
não têm vida pois o que veio a seguir seria qualificado de carnificina.
Atropelamos uns quantos (não os contei mas ouvi o barulho deles a bater por
baixo do carro… ouvi e senti) por entre umas derrapagens pronunciadas a que o
bom timoneiro do volante soube responder com mestria segurando o leão dentro
dos limites da estrada.
Não foi preciso muito para
percebermos que aquele número de circo deu asneira. Um furo na roda traseira
direita denunciado por uma monumental atravessadela logo na curva seguinte e
não nos restava outra solução que não fosse parar e trocar a roda. Pela
primeira vez troquei uma roda em pleno troço, tal como o Zé. E claro que sem os
equipamentos das equipas de fábrica do WRC, essa operação levou ligeiramente
mais tempo que levaria uma equipa profissional… ligeiramente! Foram “só” cerca
de 7 minutos perdidos com esta operação, e portanto estava definitivamente
arrumada a questão da classificação final.
Mas num momento de frustração e
de raiva pelo sucedido, toda aquela restante classificativa foi percorrida num
ritmo que nem eu sabia que o Zé Carvalhido era capaz de impor. Valeu cada
metro, que mestria! Sinceramente, tive dificuldade em acompanhar nas notas em
algumas partes! (Se fosse assim o rali todo não sei como terminaria mas decerto
ainda acabávamos a “meter nojo” lá no meio dos tubarões). Foi top!
Refeitos e resignados deste
contratempo, seguimos a nossa prova dispostos a desfrutar. São troços do nosso
agrado, não iríamos desperdiçar a oportunidade de acelerar naquelas estradas. E
assim foi. Sem colocar em causa a nossa permanência em prova, percorrermos todo
o restante do rali a divertirmo-nos, a desfrutar do gozo que o Peugeot nos dá
(que carro!!) e a levar a máquina até ao final sem qualquer mazela, sem
qualquer avaria. Parabéns equipa, excelente trabalho de bastidores.
Estava assim concluído o rali,
com uma classificação final abaixo das nossas capacidades, mas quando
analisamos a tabela de tempos e vemos melhorias em todas as classificativas,
quando nos sentimos satisfeitos pelo que andamos, quando nos sentimos
realizados pelo gozo que o rali nos deu, o balanço final continua a ser
positivo.
E assim passou mais um rali,
desta vez disputado “no meio” de toda a acção do Rali de Portugal, com testes e
mais testes das equipas do Mundial na nossa região. Testes esses que me
obrigaram a ir trabalhar no dia seguinte, domingo, porque a Encontro de Margens
não pode parar e porque quem tem vícios também tem que fazer sacrifícios.
O RALI DE PORTUGAL
ESTÁ DE REGRESSO: A GRANDE ROMARIA ANUAL
A semana seguinte ao Rali de
Santo Tirso iniciou com mais uma jornada de testes, desta vez com a M-Sport e
os seus Rally2 no espetacular troço da Labruja. Um dia tranquilo do ponto de
vista da segurança e que passou bastante rápido, tal como os Fiestas do
Fourmaux, do Munster e do Virves, dando por encerrados os testes de 2023 para
nós. Agora era tempo de preparar a grande festa: o Rali de Portugal era dali a
3 dias.
Mas desengane-se quem pensa que a
minha vida é só ralis. Nessa mesma semana ainda fui trabalhar mais dois dias!!
Uma loucura! (Um dia ainda acabo nas filas do centro de emprego e nem vou saber porquê).
Quinta feira, bem cedo, equipa do
NV Sport reunida e de partida para Baltar. O nosso “road book” estava definido (uma
vez mais e de forma democrática, fui obrigado a ser eu a definir o programa de
4 dias intensos de rali), iríamos ao Shakedown, seguindo-se uma visita à
Exponor para ver o parque de assistência, com paragem para almoço num sítio
fabuloso que nos recebe como reis e onde o repasto é digno de registo (obrigado
amigo Orlando…voltaremos com certeza), antes da partida para Coimbra onde
iríamos presenciar a cerimónia de partida.
Com os timings mais ou menos alinhados, o nosso primeiro dia de Rali de Portugal terminaria n’A Grelha. Não que tenhamos sido detidos e fossemos para a prisão, mas porque nos recomendaram um local para jantar em Arganil (Restaurante A Grelha) e do qual saímos bastante satisfeitos.
Neste primeiro dia, de destacar a
simpatia e disponibilidade de vários pilotos e co-pilotos que na partida do
Shakedown nunca se negaram ao tradicional autógrafo. Entre estes destaco a
equipa italiana do Skoda Fabia Rally2 Evo número 67 – Luciano Cobbe e Roberto
Mometti, especialmente o navegador, que fez questão de fotografar a revista
onde tinha assinado (o Guia do Rali de Portugal que o NV Sport faz já desde
1994) e que de seguida me convidou a entrar no Skoda para me tirar uma
fotografia. Grazie mille Roberto!!
Chegados ao alojamento na aldeia
de Benfeita, em plena serra e já de noite, era tempo de descansar para o
primeiro dia de rali a sério.
A sexta feira amanheceu com um
solarengo dia de temperaturas amenas e como na noite anterior não deu para ver
exactamente onde estávamos, foi com um choque muito bom que dei por mim a
saborear toda a envolvência daquele sitio. As vistas magnificas, a pacatez do
local e o silêncio apenas quebrado pelo cantar dos passarinhos, faziam daquele
um momento de poesia pura e que me deslumbrou por completo. Sou um apaixonado
confesso pela Serra do Açor e pelas suas paisagens, mas não estava a contar com
um despertar daquele calibre. Hei-de voltar!
Chegamos em boa hora ao troço de
Arganil a tempo de procurarmos um bom “spot” para vermos a primeira passagem, e
quase sem contar encontramos uma daquelas chamadas “zona de refúgio”, que não
são assinaladas como zona de público mas onde é permitido assistir ao rali em
segurança. Um local espetacular e no qual apenas estávamos ao todo 7 civis e um
militar da GNR (super prestável, diga-se) que não nos colocou qualquer entrave
à nossa presença ali.
Assistimos desse local à primeira
passagem e após o almoço, decidimos mudar de local. Sem conhecer, escolhemos a
zona do Baloiço de Esculca para assistir à segunda passagem e, se de manhã
estivemos na paz e sossego do Senhor, de tarde aterramos no cenário oposto, tal
era a quantidade de gente (e nem toda, capaz de acatar ordens da GNR). Uma
descida impressionante feita a velocidades igualmente impressionantes e um
verdadeiro banho de pó da cabeça aos pés, só porque rali sem pó nem era a mesma
coisa.
Estava feito o segundo dia de
rali, o plano seguinte era dar continuidade ao roteiro gastronómico do grupo
para um jantar em condições (porque isto de passar o dia na serra abre muito o
apetite).
Os terceiro e quarto dias até nem
tiveram assim muita história para contar. No sábado, Felgueiras 1 e Vieira do
Minho 2 foram os locais escolhidos, sempre em excelente ambiente de
divertimento por parte de todos os cinco do grupo que envergamos as cores do NV
Sport e sempre sem qualquer problema com a confusão que este evento desportivo
gera devido à imensa quantidade de gente que movimenta.
Sem qualquer problema excetuando
Fafe, no domingo. Foi uma escolha infeliz, admito, mas optamos por tentar
chegar ao Salto da Pereira no troço da Lameirinha, para ver a primeira
passagem, e só vos digo isto: metemo-nos num aperto tão grande que nem a minha
camisa do NV Sport, tamanho “M” de 2022 me aperta tanto na barriga. Acesso estreito e completamente
lotado, falta de estacionamento e uma confusão tremenda de carros e motas a
cruzarem-se uns pelos outros. Felizmente que encontramos 3 agentes da GNR (mais
uma vez, o meu aplauso para a postura da GNR, que foi impecável em todo o
momento), que souberam agilizar de acabamos por passar ali um bom momento de rali
numa zona em que os carros atingem velocidades incríveis.
Para a segunda passagem, fomos
para o final da classificativa, de onde se vê o famosíssimo Salto da Pedra
Sentada e onde de forma privilegiada podemos ver o pódio do rali com as estrelas
todas ali à nossa volta. É sempre um momento especial poder lidar de perto com
todo aquele “aparato” da WRC TV, das suas caras conhecidas, dos pilotos e navegadores,
de nomes sobejamente conhecidos (entre os quais o Sr. Malcom Wilson, do qual
consegui finalmente o autógrafo que tanto queria… admiro mesmo aquele homem por
tudo o que deu e dá aos ralis). E claro, a festa do champanhe com os vencedores
é também um momento especial de ver ao vivo.
Era tempo de rumar a Matosinhos
para os últimos cartuchos – a entrega de prémios e a entrada em parque fechado.
Este é sempre um bom momento para tentar aquele autógrafo que falta na coleção
ou a selfie com o piloto que mais admiramos. É um momento de descontração dos
craques e é simultaneamente o momento em que a nostalgia ataca. De repente dou
por mim a pensar que já terminou, que toda esta aventura de 4 dias só se repetirá
no próximo ano. E esta nostalgia custa a compreender porque nunca sei se é um
sentimento bom ou se me deixa triste. Espero para o ano voltar a sentir o mesmo
para tentar perceber (tal como tentei em 2019, 2021, 2022…)
Bem sei que este texto vai longo
como tudo mas falta falar do “to be continued” que frisei logo no início.
Porque vem já aí a Rampa da Falperra, outro evento magnifico com máquinas que
não se veem todos os dias, e de seguida será tempo de preparar mais um rali – o
Rallyspirit, no qual terei o enorme gosto de voltar a navegar o “teacher” Santos
Pereira no seu Opel Kadett.
Obrigado equipa do VMC, obrigado
Carvalhido Racing Team, obrigado equipa do Notícias de Viana Sport. Foram dias
incríveis os que vivi graças também à vossa presença. E aos que conseguiram ler
até este parágrafo, o meu muito obrigado pela paciência.
Vemo-nos em breve? Bons ralis…
Topissimo 👌👌👌👌
ResponderEliminarMuito obrigado
Eliminar👌🤌🤌🤌🤌🤌
ResponderEliminar😁🙏
EliminarCom sempre, fantástico!!! Com uma leitura que cativa desde o primeiro parágrafo, para quem é apaixonado por este desporto fantástico. Bem hajas Miguel!!!
ResponderEliminarMuito obrigado
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