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domingo, 26 de fevereiro de 2023

UMA AVENTURA NA SERRA DA CABREIRA

Um título inspirado na coleção “Uma aventura” de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, que me leva as memórias para o passado. E no fundo é também um pouco o recuar no tempo o que acontece com a história que vos trago hoje.

foto: Município de Vieira do Minho
(foto: Município de Vieira do Minho)
O Rali de Vieira do Minho foi uma daquelas provas que teve tanto que contar para todos os intervenientes que dificilmente cairá em esquecimento. Para mim, foi muito mais que “mais um rali”, foi uma verdadeira aventura.

Já lá vai o longínquo ano de 2013, ano em que me estreei nestas lides da navegação. Naquela altura tive a sorte de ter sido convidado pelo Nuno Maio Gomes para o navegar num rali (o meu segundo rali a navegar), mal eu sabia que depois desse convite viriam a caminho 10 intensos e espetaculares anos de carreira, cheios de experiências e histórias que guardo com muita nostalgia.

Pois bem, passados 10 anos, o Nuno volta-me a convidar para o acompanhar. E por coincidência esta iria ser a minha estreia em pisos de terra! Como devem calcular fiquei tão chateado com esta ideia que até dei pulos de alegria!

Vamos lá a Vieira do Minho para os reconhecimentos. Este ano com a novidade a dar pelo nome de “Nascente do Ave”, cerca de 13 quilómetros alucinantes, espetaculares, de paisagens deslumbrantes e com uma variação de pisos e de ritmo muito grande, a exigir concentração e alguma cautela em alguns pontos. Troço fantástico!

Seguiam-se “Campo de Tiro”, o conhecido troço da Serradela feito em sentido inverso, globalmente com piso excelente, bastante rápido e igualmente espetacular ao nível da condução bem como da envolvente paisagística, fator comum também para o “Senhora da Fé”. Reconhecimentos efetuados e a primeira impressão que me dá é que este traçado tem tudo para ser palco de um rali espetacular (mais tarde viria a confirmar).


Sexta Feira, 24 de Fevereiro de 2023, o grande dia chegou. Verificações logo pela manhã, reconhecimentos da Super Especial feitos, e tudo a postos para voltar a sentar-me na baquet direita do BMW 325 IX. A noite fria de sexta feira dava o mote com a espetacular Super Especial do Parque dos Moinhos a contar com a presença de muito público. Lista de inscritos com quantidade e qualidade a ajudarem à festa e tudo pronto para um arranque da temporada dos ralis de 2023 em grande.

(foto: DP Motormedia - Duarte Pires)

(foto: Ruy Machado)

Para nós foi uma entrada muito descontraída e sobretudo muito divertida. O Nuno diverte-se imenso com o BMW em pisos de terra e posso-vos assegurar que essa diversão é extensível ao "gajo" que vai ao lado, tantas que são as vezes em que o vidro do lado passa a ser o vidro da frente… se é que me entendem! Com muitas atravessadelas à mistura, Super Especial concluída com sucesso, sem problemas e carro colocado em parque fechado. Hora de descansar numa gélida mas estrelada noite de inverno.

Esperem… eu disse estrelada..? Pois, o que eu queria dizer era nublada, pois esta foi uma noite em que a meteorologia se transformou completo e as primeiras horas da madrugada trouxeram à Serra da Cabreira e aos troços do rali uma lindíssima camada de neve que deve ter provocado muitas insónias às gentes do Motor Clube de Guimarães.


O sábado acordou chuvoso e as serras ao redor de Vieira do Minho estavam completamente brancas. E agora..? Há rali? Não há rali? Os troços estão em condições? Conseguiremos passar?

Avaliado o cenário e ponderadas todas as questões de segurança, a organização decidiu atrasar a partida da prova e cancelar a primeira passagem pelo troço da Nascente do Ave. Seguiríamos diretamente para o “Campo de tiro” e o rali seguiria o seu rumo a partir dali.

Sem sabermos muito bem o que iríamos encontrar nos troços, havia algo que tínhamos a certeza convicta: os pisos vão estar muito escorregadios, é preciso ir com mais cautela ainda. O objetivo é apenas um – terminar o rali com o carro intacto.

(foto: Tiago Silva)

(foto: Carlos Machado Fotografia)

E foi dentro deste espírito que entramos na primeira classificativa do dia. Com um ritmo seguro, mas com muita diversão, o BMW parecia ter vida própria numa luta infernal com o Nuno a “dominar o bicho” com o volante. E assim fomos percorrendo as muitas armadilhas de um piso escorregadio e bastante degradado em vários pontos, mas já sem neve, sempre a tirar o maior proveito da tração integral (ou quase integral, mas esse é outro assunto que já vou falar a seguir) para superar os 10 quilómetros desta classificativa. Sucesso! Desafio superado. Estou a adorar a experiência, estou a adorar os pisos de terra.

Seguimos para “Senhora da Fé”, troço no qual ainda persistia alguma neve em alguns pontos e a tática seria a mesma. Sem exageros, sem apertar em demasia para evitar sair das trajetórias.

(foto: DP Motormedia - Duarte Pires)

Mas havia agora outro problema: o nevoeiro estava tão baixo e tão denso que não nos dava mais de 5 / 10 metros de campo de visão. Estão a imaginar “o filme”, não é..? Pontos de referência, curvas à vista, segmentos de reta… tudo isso deixa de fazer sentido num cenário destes.

Entramos na classificativa, uma parte mais técnica e estreita, sem exageros e depois começamos a subir e aí sim, o nevoeiro atacou: “Direita 3 para 50, topo pela direita para esquerda à vista, mais 100...”

(foto: DP Motormedia - Duarte Pires)

Desculpa? Como é? Onde está essa direita? Qual topo? 100, por onde? Não vejo! Esquerda à vista? Deves estar a gozar… deve ter sido mais ou menos isto que o Nuno pensou quando eu lhe li o que tinha anotado no caderno de notas. Aliás, foi isso o que eu mesmo pensei à medida que ia lendo. Que condições terríveis, nunca tinha corrido assim… nem mesmo na minha estreia absoluta há 10 anos atrás. Mas é o que temos e é nestas condições que temos de seguir. Os pisos continuavam muito escorregadios e o BMW continuava com umas vontades estranhas de se virar a nós mas lá foi dando para o segurar. E assim foi, com mais cautela devido à quase nula visibilidade e com mais vontade já perto do final quando o nevoeiro já era menos. Troço superado e o “grito” de alegria do Nuno após a tomada de tempos dizia muito sobre o que foi conseguir terminar aquele troço naquelas condições. Um verdadeiro alívio e muita satisfação pelo gozo que vínhamos a tirar.

Mas voltamos à tração integral do “IX”. Saímos da “Senhora da Fé 1” e na ligação para reagrupamento o BMW vinha a fazer uma estranha batida que não era garantidamente dos cavalos do motor a galope. Mas entretanto esse barulho desapareceu e achamos que poderia ser da lama ou algo que se tivesse alojado por baixo do carro e que entretanto se soltara. Bom, não há-de ser nada…

A secção da tarde iria contemplar o troço da Nascente do Ave, que entretanto a maquinaria do Município conseguira repor as condições para se realizar. Uma longa ligação pela espetacular Nacional 103 com vista para o Gerês e à medida que nos aproximávamos do troço, o nevoeiro denso (quase chuva miudinha) marcava presença. Lá vamos nós ter novo troço complicado, sem visibilidade…


Capacete posto, cintos apertados, 3…2…1… Vamos! Mas espera, há alguma coisa aqui que não está bem. O motor “grita” ao máximo mas o carro não está a acompanhar. Muito barulho, quase estridente. O carro não puxa e obviamente temos um problema. Vamos tentar ir devagarinho até ao final. Mais uns metros e o carro anda cada vez menos apesar do motor ir “no grito”, o barulho metálico agrava-se e está à vista que não vamos a lado nenhum. “Nuno, encosta ali naquele espaço”… momentos depois, já com o carro imobilizado, muito fumo no interior do habitáculo e um intenso cheiro a óleo queimado. O Nuno adverte-me de imediato: “Sai do carro que isto ainda arde!” Mas naquele momento qualquer incendio era um mal menor quando comparado com a frustração pelo azar e por perceber que não iríamos conseguir terminar esta louca aventura. Estava consumada a desistência, diferencial partido.

Realço que esta participação no Rali de Vieira do Minho (tal como todas as provas em que o Nuno tem vindo a alinhar) foi “sem rede a aparar a queda”. O Nuno corre pelo prazer de conduzir, pela adrenalina dos ralis, mas não tem por trás uma estrutura profissional com todos os meios humanos e técnicos para garantir que tudo esteja na perfeição. Ele faz de piloto, de assistência, de departamento de marketing dos seus patrocinadores, de responsável logístico. Neste rali eramos apenas ele, eu e o BMW, portanto conseguem perceber o que significaria conseguir terminar um rali destes, perante as condições que se apresentaram, com tanta quilometragem, num carro cuja preparação se resume ao básico e essencial. Terminar era a nossa vitória, e por esse motivo o abandono me “doeu”, até mais a mim do que ao Nuno. Mas os ralis são assim e portanto é hora de olhar para o futuro. Na memória fica a adrenalina e o gozo que o carro nos proporcionou enquanto estivemos em prova, bem como todas as outras peripécias que fomos vivendo.

(foto: José Lamas)

Quanto ao Motor Clube de Guimarães, deixo os sinceros parabéns pela organização, pela postura de bem receber e por conseguirem dar a volta da melhor forma à surpresa que o São Pedro decidiu colocar nos troços durante a noite de sexta-feira para sábado. Estiveram em grande e realizaram um rali em grande! Quanto a mim, é importante agradecer ao Nuno Maio Gomes (e, por conseguinte, a todos os seus patrocinadores) por me proporcionarem esta experiência absolutamente maravilhosa que foi a minha estreia em pisos de terra (e neve, e lama, e nevoeiro, e sei lá bem mais o quê!) Repetia já hoje de novo.

Até breve...

2 comentários:

  1. Muito bom.... Consegue sempre transmitir e passar para o leitor a experiência... a paixão... a adrenalina... Podendo assim cada leitor vivenciar cada momento como se estivesse no local ou até mesmo dentro do carro. Uma paixão contagiante :)

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