O Rali de Viana do Castelo – Cidade Europeia do Desporto 2023 (ou simplesmente Rali de Viana para o público comum, e Rali de “Biana” para os “bianenses”) sempre foi e é aquele rali de eleição pelo qual tenho um especial carinho e gosto. Poder participar nesta espetacular manifestação desportiva à porta de casa, frente “aos meus” é um sentimento de alegria que não sei explicar, mas que existe, e este ano não foi excepção.
Mas este ano tivemos o rali no tão famoso verão de São Martinho que, como qualquer verão minhoto que se preze, foi chuvoso, molhado, cinzentão, à boa maneira de um Outono agreste.
Fruto de umas semanas super agitadas a nível pessoal, a preparação para a prova deste ano não foi a ideal e, ainda mal refeito das emoções do Rallylegends Luso Bussaco, lá dei por mim de novo no banco do pendura a dar o meu melhor na arte de bem tagarelar aos ouvidos do meu bom amigo Zé Carvalhido, que faz sempre das tripas coração para conseguir conduzir o Peugeozito com aquela mestria que só ele sabe enquanto eu ali vou ao lado a “cantar coisas” que só para nós que lá andamos fazem sentido (somos tão maluquinhos, mas somos felizes assim…. Que se há-de fazer?)…
Mas o rali a sério era no dia seguinte e por isso toca a descansar cedo, como faz um bom desportista (risos!!)
Com os pisos a apresentarem-se em excelentes condições para evitar lá passar, e com a meteorologia muito instável, o dia de sábado era encarado com algumas reservas. Não dava para arriscar nadinha, era preciso ser inteligente na gestão da prova, salvaguardando uma boa margem de segurança, porque o final do rali era o alvo a atingir. E aqui começam as desventuras de uma dupla que estava motivada q.b. mas com a consciência de que não ia ser um rali fácil.
Voltando à corrida em si, o troço de São Salvador / Amonde revelou-se muito complicado. “Escorrega como vidro”, conhecem a expressão? Pois bem, aquele troço escorregava como vidro ao quadrado. Foi um festival de “vai não vai” com a traseira do Peugeot a rabear, com a frente do Peugeot a olhar contra o governo, com o Zé Carvalhido a fazer verdadeiros malabarismos com o volante para manter as rodas dentro da parte preta da estrada, e comigo a “curtir milhões” de todo aquele festival… mais uma classificativa superada, rumamos agora novamente ao Mujães / Geraz do Lima para a segunda passagem.
Agora com notas, agora com o piso mais seco, agora “mais quentinhos”, vamos desfrutar deste troço que é já o meu favorito do rali, não só pelo desafio de ditar notas num traçado tão encadeado, mas também pela rapidez inerente àquela estrada, que provoca doses de adrenalina suficientes para recordar agora aqueles momentos com um sorrisão de orelha a orelha.
Dali para a frente vem a parte mais deliciosa do troço. Muito rápida, muito encadeada, a classificativa torna-se num hino aos sentidos e dá-me um gozo formidável. O nosso ritmo ia a ser muito bom, e até mesmo a travagem para a rotunda que fazemos em contramão foi assim qualquer coisa à campeão, com o carro a escorregar às 4 rodas.
Mas havia que seguir caminho e contra nossa vontade (até nos partiu o coração) em poucos segundos acabamos com aquela lamechice e pouca vergonha de beijocada entre um Peugeot e um pedaço de granito, rumo ao final. Mas as marquinhas de amor ficaram no Peugeot… foi só amasso!
Nova passagem por Lanheses, agora com o animo em alta pelo fantástico gozo que nos deu aquela classificativa, pelas peripécias, pelo ritmo que conseguimos impor. E com aquela euforia toda, soube-me ainda melhor percorrer o bocadinho de trajeto que atravessa cenários tão familiares e com os meus conterrâneos ali a ver a aplaudir. Obrigado Lanheses!
A segunda passagem pelo São Salvador / Amonde foi um pouco à imagem da primeira passagem. Avisados de antemão pelo que vimos na primeira passagem (lama, agua, piso super escorregadio) fomos com máxima cautela mas sempre acompanhados pelo escorregar aqui e ali, tirando proveito das capacidades do Peugeot (e do piloto para o dominar) para levarmos o carro até ao final.
Pelo meio, num dos muitos cortes nas trajetórias, uma batidela mais forte por baixo do carro viria a deixar marcas que se revelaram mais sérias do que pensávamos.
Na assistência o nosso fantástico pessoal arregaçou mangas e fez os possíveis e impossíveis nos escassos 30 minutos que tínhamos (e aqui abro um parênteses para chamar à atenção de quem de direito, que estas assistências deveriam ser revistas. Não faz muito sentido termos na noite anterior 45 minutos de assistência depois de correr 1300 metros e no dia principal, apenas 30 minutos após percorrer quase 145 quilómetros… sei que não a pediram, mas é a minha opinião). Pelo meio ainda houve tempo para “picar” qualquer coisa e reconfortar o estômago com um saboroso e quentinho caldo verde – o verdadeiro elixir da força para atacar a parte da tarde.
E é quando damos conta que as mazelas da tal batidela por baixo foram mais sérios do que aparentava. Arrancamos na ligação para a primeira passagem por “Gondar” e reparamos que a caixa de velocidades estava muito zangada, sobretudo ao engrenar a 4ª velocidade, ralhava-nos imenso. Olhar apreensivo, soaram os alarmes. Estamos com problemas de caixa, não podemos utilizar a 4ª. Será que isto vai aguentar? Será que vai partir? Duvidas, dúvidas, dúvidas… Mas vamos tentar! Não vamos esmorecer e vamos dar o nosso melhor para terminar o rali.
foto de José Lamas© |
Seguiu-se Outeiro 1, mas o problema mecânico aqui já não se notou tanto e conseguimos andar bem, num bom ritmo, o que nos abriu novamente o animo para o que restava do rali. E também ajudou o imenso público que nunca falhou ao longo de todo o dia mas que em Outeiro estava em força à espera dos seus heróis locais.
Estávamos cada vez mais próximos de atingir a meta, e como tal cada vez mais focados em terminar, custasse o que custasse. Mas o leãozinho da Carvalhido Racing Team mostrou-se uma maquina de combate super resistente. Segunda passagem por Gondar e nem mesmo a anomalia nas mudanças impediu que desfrutássemos deste bonito e rápido traçado. Foi a nossa vez de nos rirmos do cronómetro pois mesmo “a cair aos pedaços” baixamos o tempo nesta pec e estávamos cada vez mais próximos do final. Faltava apenas a derradeira passagem por Outeiro, já com a noite a cair e com a chuva a aparecer. Era o momento para mudar de chip. Era o momento de pensar em terminar sem abusar da sorte. Era o momento de passar a conduzir como aqueles senhores idosos que se levantam muito cedo ao domingo de manhã para irem para a estrada não fazer nada. Condução “nas pontinhas”, como se levássemos nas mãos um recém nascido, curva a curva sem apertar nadinha com o nosso leão que ali mais parecia um gatinho, e já nem importava sequer o riso do cronómetro sobre os quase 20 segundos que pioramos.
Vale o que vale mas… 27º lugar da classificação geral, 3º lugar da classe P1-2, considero um resultado bastante bom tendo em conta as peripécias e tendo em conta as terríveis condições dos troços. E um sentimento muito bom, tal como é sentir que desfrutamos apesar de tudo, que nos divertimos, e que foi um ralizaço, muito bem organizado pelas gentes do CAST, sem atrasos, sem problemas de maior. Parabéns CAST!
foto de Ruy Machado© |
Não posso deixar de agradecer aos nossos patrocinadores bem como ao staff da Carvalhido Racing Team, em especial ao meu bom piloto José Carvalhido, pelas excelentes boleias que me tem dado. Foi uma vez mais fantástico, my friend!
E agora, a parte mais importante desta crónica, aquele que é o maior e melhor prémio para todos nós na equipa: termos connosco o nosso Domingos que, depois de uma partida marota pregada pelo destino, voltou a estar na assistência, voltou ao nosso convívio, e nem mesmo o facto de ainda não estar a 200% como todos nós o queremos, o impediu na assistência de deitar mãos à obra. Fiquei boquiaberto ao ve-lo deitado debaixo do Peugeot a trabalhar no carro para que pudéssemos seguir da melhor forma possível em prova. Grande Mingos! Obrigado amigo pela presença, pelo espirito e pela postura. Que animo nos deste a todos!!
Sei que não me levarão a mal, mas este rali, este resultado, esta crónica, dedico-a inteiramente ao nosso mecânico Domingos Coelho.
Quanto a mim, vou andar “por aí” e se me cheirar a gasolina eu apareço. Bons ralis!
Hahaha desculpa me rir. Mas esta crónica tem um sentido de humor hiper apurado. Parabéns pelo fantástico raly que fizeram com tantos stresses pelo meio. Para terminar grande Domingos. E que nova aventura apareça rapidamente ✌🙏
ResponderEliminarPois na minha opinião, apesar de concordar na dedicatória ao Mingos, TU é que fazes a diferença!!! És o carreto fundamental nesta equipa!!! Tomara a nossa caixa de velocidades pensasse assim e não andávamos tão stressados no sábado à tarde!!!! Abraço e obrigado companheiro 🙏💪👌
ResponderEliminarLinda crónica, ao ler até parece que ia no banco de trás, deu para arrepiar, que bonito ver esse vosso sentimento. 👏👏👏 Vocês são um espetáculo ❤️ obrigados Miguel e Zé 🤗🤗 dois grandes abraços
ResponderEliminarComentário anterior de Carlos Guimarães 😉
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