Espaço dedicado às crónicas, artigos de opinião, fotos e curiosidades, tudo à volta do mundo dos automóveis

quarta-feira, 7 de junho de 2023

UM OVO KINDER NO PALCO DOS SONHOS


Repetiu-se a história, voltei a ser o mocinho mais sortudo da galáxia e arredores ao poder vivenciar uma vez mais o Rallyspirit Altice pelo lado de dentro. E isso devo-o inteiramente ao Piloto, ao Homem, ao Amigo (tudo com letra grande), que dá pelo nome de Santos Pereira.


O Santos Pereira foi dos primeiros pilotos a apostar em mim para chamar de navegador, corria o ano da graça de 2014 (se a memória não me falha), quando eu ainda achava que as notas eram de 250 escudos e as curvas para mim eram a direita e a torta!

Desde então criou-se uma grande amizade e o apreço que eu tenho pelo “tio Hercas” leva a que me sinta um privilegiado ainda maior por ser com ele a participação no Rallyspirit (ou simplesmente Spirit). E ele, ano após ano dá-me esse gostinho! Sou ou não sou um tipo com sorte..?

No ano passado o “tio Hercas” esteve impossibilitado de alinhar neste fantástico evento, mas não perdeu tempo e arranjou forma a que eu não ficasse de fora. Este ano era ele quem ia ficando de fora e foi uma luta titânica até ao último momento para garantir o fundamental orçamento que permite estar à partida de um rali longo (3 dias), de grande distância (mais de 400 quilómetros) e de grande valor (rodeados de vários Grupo B, WRC’s, Kit-Cars, Grupo A de nos deixar em sentido…. Enfim, menu completo, para apreciadores).

Desta luta, que fui acompanhando de forma impotente por não poder ajudar, saiu o tão esperado “fumo branco” e lá estávamos nós um ano mais com o eterno Opel Kadett GT/E à partida da prova, mantendo o seu estatuto de quase totalista (apenas falhou a primeira das 8 edições já realizadas).

A PRIMEIRA ETAPA COM SABOR A VITÓRIA

Costuma-se utilizar a expressão “cereja no topo do bolo”. Para mim este ano foi mesmo à guloso e não esperei pelo topo do bolo para me deliciar com a cereja. Os troços da primeira etapa souberam mesmo a ginja. Uma delícia de estradas, com vistas magnificas sobre o nosso Alto Minho, com traçados de muita condução a exigir coragem, concentração, mestria e alguma inteligência na gestão da mecânica. Sou fã daquelas estradas nos concelhos de Amares, Terras de Bouro e Vila Verde (embora este último exija muito respeito a quem o decida abordar em “modo Racing”, opinião partilhada pelo meu bravo piloto).

Sabíamos de antemão que não iria ser um rali nada fácil dadas as limitações do Opel e com o calor que se fazia sentir, essas dificuldades ainda iriam ser mais notadas. E foram!

Sem abusar, e num ritmo constante, entramos no troço de Amares apostados em dar o nosso melhor sem nunca comprometer a segurança e a continuidade no rali. Pelo caminho íamos vendo as primeiras baixas, o que nos alertava para manter o foco no aspeto da segurança. E já bem perto do final, apareceram as dificuldades com o sobreaquecimento dos travões a ser personagem principal num filme em que travar era algo urgente e necessário. Mas lá deu para cumprir o trajeto, abrandar um bocadito e terminar a classificativa com muito fumo e um “cheiro a frito” que não se aguentava.

Classificativa seguinte, Terras de Bouro, com um início a obrigar a fortes travagens, obrigava-nos também a adotar um ritmo mais contido. E foi nessa toada que fomos desfrutando daquele magnifico traçado antes da neutralização em Mixões da Serra, perfeita para refrescar homens e máquinas.


Seguia-se o troço de Vila Verde, um troço complicado, maioritariamente estreito e com muitas descidas acentuadas. Para quem vinha com os “travões quentinhos”, este era o sítio certo para dar errado. Mas não deu porque ao volante estava o “tio Hercas”, sábio e seguro, a poupar o fiel Opel a calafrios (neste caso dos travões, era mais calaquentes… muito quentes!).

Classificativa terminada e siga para a neutralização em Vila Verde, onde algumas caras conhecidas nos vinham felicitar pela “excelente prova que estávamos a fazer”…. Espera aí, excelente prova? Como assim? Deixa lá ver a página de tempos… 3º melhor tempo em Amares e dois sextos lugares nas duas classificativas seguintes. Terceiro?? “Tio Hercas”, onde atalhaste, que eu não dei conta?? Nem com a longa paragem perdeu o jeito, este meu amigo!

Foi de facto uma surpresa enorme tendo em conta o ritmo cauteloso adotado. Mas bom, se a página dos tempos diz que estamos a andar bem, quem sou eu para contrariar...?


Restava nesta primeira etapa a passagem por “Barcelos Norte” e o regresso à cidade do famoso galo para terminar o dia. A classificativa era bastante distinta, com bom piso, bastante rápida e sobretudo sem as grandes subidas e descidas dos troços de montanha que tínhamos feito antes. Voltamos aos bons registos com o 4º melhor tempo e isso colocava-nos na 5ª posição da classificação geral ao final do dia. Muito bom!

O OPEL DEU O QUE TINHA E QUASE O QUE NÃO TINHA, MAS PORTOU-SE À ALTURA DO PILOTAÇO!


A segunda etapa acordava sob um sol radiante e com os palcos de Barcelos Oeste e Barcelos Sul a assumirem o protagonismo, antes de rumar à clássica “Sra. Da Assunção” em Santo Tirso e posteriormente à Foz do Douro no Porto com a cidade invicta a acolher a chegada das equipas no final da etapa.

Quanto a nós, entramos bastante mais confiantes pois o conhecimento dos troços de Barcelos (iguais aos anos anteriores) assim o permitia. 

Em Laúndos o Opel foi bem “espremido” enquanto que no “Ana Sousa”, num ou outro momento a traseira e a frente do carro desentenderam-se e pareciam querer trocar de lugar. Valeu uma vez mais a mestria do tio Hercas a colocar água na fervura (o mesmo será dizer, a manter o carrito nos limites da estrada) enquanto ao mesmo tempo me dava nas orelhas por lhe dizer que ia desconcentrado. Ups!

Num bom ritmo e sem exageros, fomos “comendo” quilómetros com muita condução, adrenalina e diversão, e também com bastante curiosidade da minha parte para perceber onde nos iríamos colocar na tabela de tempos. A resposta veio sob a forma de um 4º lugar na geral e de seguida do degrau mais baixo do pódio, algo que nos deixava o animo em alta pois terminávamos o dia no pódio numa altura em que ficava a faltar muito pouco rali para disputar.

E não menos importante, o Kadett estava em perfeito estado, sem mostrar um único problema mecânico (já não se fazem carros assim) …

As mensagens de felicitações caiam em catadupa e pessoalmente sentia-me bastante feliz pelo resultado, pois sei todo o esforço e luta que o meu bravo piloto teve que fazer nos dias anteriores à prova para podermos estar ali naquele momento. Era um prémio mais que merecido para ele, sem dúvida!

O GRANDE FINAL!

Terceira e última etapa, com a alvorada bem cedinho como no WRC, para fazermos a longa ligação desde o Porto até Barcelos, onde “Barcelos Norte” e a tradicional “Boucles” nos aguardavam para o encerramento da festa.

A etapa até nem começava da melhor forma pois a ligação para a classificativa estava com muitíssimo transito e não foi nada fácil cumprir o trajeto dentro do tempo estipulado: foi chegar ao início da classificativa 2 minutos dos pequenos antes da nossa hora, colocar os capacetes à pressa e nem tempo houve para dizer “ai Jesus”, siga que está na hora!

Uma primeira secção rápida a descer feita num bom ritmo antes da travagem para a ponte, na qual “um pronunciado pêndulo” fez as delícias de quem ia dentro do Opel: eu mesmo! Espetacular, estás a ir muito bem! – dizia eu por entre as direitas rápidas e as esquerdas a fundo, numa tentativa motivacional para levarmos o barco a bom porto.

Rapidamente chegávamos à linha de meta com mais um ótimo registo – 4º melhor tempo – o que nos confirmava como 3ºs classificados no rali, e restava agora cumprir o traçado citadino da “Boucles” que, sem contar para a classificação e sem ser o trajeto ideal para as características do Opel, teria de ser percorrida sem entrar em exageros. E assim foi, com a sensação de alívio e satisfação a tomar conta de nós na ligação para o final. Aqui, a calorosa receção da equipa liderada pelo Pedro Ortigão fez-nos sentir especiais. Não só a nós mas a todas as equipas que lograram atingir o final do rali, três dias e 400 e muitos quilómetros depois.

E VEIO O MELHOR DOS
PRÉMIOS: UM OVO KINDER

Muita gente a admirar as máquinas, muita gente com telemóveis ou máquinas fotográficas a tentar registar “aquele momento” e eis que, um pequeno adepto (que teria entre 5 a 7 anos de idade) desperta a sua atenção para o Opel. Claro está que para mim, ver um miúdo entusiasmado com os carros de corrida, é algo que me deixa muito feliz – eu já fui assim um dia e revejo-me naquele entusiasmo genuíno. Não resisti, perguntei-lhe se queria tirar uma foto dentro do Opel. Meio envergonhado, mas incentivado pela mãe, aceitou o desafio e a vergonha inicial deu lugar ao entusiasmo próprio de uma criança. Sorriso rasgado, olhos brilhantes, mãos no volante como se de um verdadeiro piloto se tratasse! Que belo momento!

Entretanto seguiram-se os cumprimentos e felicitações às outras equipas que iam chegando, alguma conversa com outros pilotos e sou “interrompido” por uma senhora. Era a mãe do miúdo que tinha estado dentro do Opel, juntamente com este pequeno grande adepto: “Peço desculpa, mas o meu filho pediu-me para vir ter consigo porque ele lhe quer oferecer uma lembrança”, e estende-me a mão com um ovo Kinder que o miúdo fez questão de me dar como agradecimento por lhe ter permitido estar dentro de um carro de competição. Fiquei naquele instante sem palavras, muito sensibilizado e não sabia mesmo o que dizer. Perguntei-lhe o nome – “sou o João” – e agradeci-lhe imenso o gesto (estamos a falar de um miúdo com 5, 6 anos de idade…). Não tem preço estes momentos, são o melhor dos prémios! 

E ficam na memória, tal como ficam todas as outras peripécias próprias de um rali, as brincadeiras, as “calinadas” (aquela dos faróis de luzes está ótima, ou a outra do carro a passar com a janela aberta, e que não posso aqui contar para não ferir suscetibilidades – fica no  privado), as gargalhadas, ou aquele abraço no final do rali, como que a agradecer e a dizer ao Santos Pereira que valeu a pena todo o esforço dele para podermos participar.

BALANÇO FINAL

Foi de facto uma aventura espetacular, desde o momento das verificações até ao regressar a casa, e o balanço só pode ser para lá de fantástico. Ainda agora, passado já algum tempo do término do rali, parece que continuo a viver por dentro aquele palco dos sonhos, uma verdadeira viagem no tempo rodeado de máquinas incríveis (os Audi, os Lancia, o espetacular Trabant, o Corolla WRC… coisas lindas, cores míticas que escreveram as páginas mais importantes da história desta nossa paixão a que chamamos desporto), rodeado de pessoas espetaculares (a minha vénia aos Senhores com quem partilhamos o pódio final pois além de excelentes pilotos, são excelentes companheiros de aventura e donos de um excelente sentido de camaradagem), em cenários lindíssimos (parabéns ao CAST e à XRacing pela escolha dos troços, parabéns aos municípios envolvidos pela aposta nesta prova).

E para encerrar, uma vez mais endereço os parabéns a toda a estrutura organizativa por mais este fantástico evento, excelente a todos os níveis, agradecendo a forma como nos recebem ano após ano.

Agradecer igualmente a todos quantos tornaram possível a presença do Opel no Rallyspirit, patrocinadores, amigos que muito ajudaram nos bastidores, ao Sr João, um mecânico cheio de história ligada ao automobilismo, que esteve sempre ao nosso lado e que tive a honra de conhecer pessoalmente, à família Costa, e a tantos outros. Destaco igualmente o fabuloso público que tanto nos apoiou e incentivou, e foi lindo de ver tantas crianças entusiasmadas com os carros de corrida. E por fim (esta tinha de deixar para o fim), o meu muito obrigado ao Santos Pereira, ao “tio Hercas”, que é só a pessoa que mais luta para que tudo isto aconteça, mesmo remando contra muitas marés, e que continua a chamar por mim na hora da diversão. My friend, aquele abraço para ti, e muito obrigado por fazeres acontecer!

Quanto a mim, voltarei a colocar o capacete dentro de cerca de algum tempo… logo se vê onde e quando…

Bons ralis maltinha!


3 comentários:

  1. Bom dia, estou sinceramente emocionado com a tua crónica. Muito obrigado por fazeres parte da minha família e pelo excelente ser humano que és.
    Forte abraço e até para o ano se Deus quiser.
    Santos Pereira (Tio Hercas)

    ResponderEliminar
  2. Ótima crónica 👌 deu para perceber que foi um rali do (caraças) com muita dedicação e diversão.. Metrcggdfovo kinder 🙂💪Parabéns pelo excelente trabalho e resultado final.

    ResponderEliminar