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quarta-feira, 17 de maio de 2023

UMA CRÓNICA CHEIA DE CRÓNICAS


Nota prévia: este será um texto longo, peço-vos um pouco de paciência, mas há muito para contar.

Confesso que já andava um tanto ou quanto apreensivo pelo passar dos dias, com tanta coisa a acontecer em torno das corridas e que tive (tenho) o privilégio de vivenciar na primeira pessoa, mas que não me deixa qualquer sobra de tempo para que a minha veia de pseudo-cronista se possa manifestar… será que a minha pré velhice me permitirá recordar as coisas todas que aconteceram nestas últimas semanas?

Já vem de longe esta espécie de tradição em que o mês de maio não me permite ter um bocadinho de vida própria porque me dá tanto para viver neste maravilhoso mundo dos automóveis.

Este ano “a coisa” iniciou-se um pouco mais cedo, com 4 dias de testes de preparação para o Rali de Portugal, seguindo-se o Rali de Santo Tirso, seguindo-se novamente mais testes. Depois lá meti uma espécie de folga para ir dar um jeito ao emprego antes de regressar à folia – o Rali de Portugal propriamente dito. E chegados aqui a vontade é escrever “to be continued…” como nos filmes.

QUATRO DIAS INTENSOS, DOIS CARROS, 5 PILOTOS, SOL E CALOR, FRIO E CHUVA… E “MUITAS PEDRAS PARA TIRAR”


A Hyundai Motorsport escolheu novamente o nosso incomparável Alto Minho para a preparação do Rali de Portugal. O arranque das atividades ocorreu logo no dia 1 de Maio – feriado – no espetacular troço da Senhora da Cabeça, em Freixieiro de Soutelo. Estando eu um ano mais integrado na equipa de segurança, percebi desde logo que iria ser um dia bem agitado pela multidão que se adivinhava. E assim foi! Tanto que a minha outra paixão (as fotografias) ficou relegada para segundo plano. Era preciso manter toda a atenção porque como todos nós sabemos, há sempre exageros por parte de quem assiste aos testes, e há sempre uma exigência de segurança redobrada por parte de quem os organiza.


Thierry Neuville foi o primeiro piloto da marca a espremer o i20 Rally1 Hybrid (estas novas designações nunca vão destronar o tradicional nome “WRC”) e a minha área de trabalho permitiu verdadeiramente arregalar as vistinhas: uma parte do troço super rápida, com velocidades a ultrapassar os 180 kms/h em terra batida e entre curvas. Se isto não é desafiar as leis da física, então não sei o que é… Simplesmente brutal! (Pena é que continue a haver gente que acha que isto não é perigoso e que se ponha a jeito, colocando em causa a sua própria segurança e todo o nosso trabalho… mas isso são outras crónicas).



No segundo dia, com Esapekka Lappi aos comandos da máquina coreana, pude assistir a um dia inteiro de chuva de calhaus de todos os tamanhos e feitios, e pó… muito pó! Mesmo muito muito pó!. Uma sequência de curvas acentuadas mas rápidas em piso mais solto e com mais pedra levava o binómio maquina / piloto a escavar de uma forma impressionante o solo ao mesmo tempo que as suas trajetórias pareciam por vezes querer ir muito para além dos limites da estrada.


Ao terceiro dia foi a vez do espanhol Dani Sordo, um piloto que desde sempre considerei ser dos mais espetaculares em testes e que desde sempre me proporcionou talvez das melhores fotos desta atividade. Não defraudou uma vez mais e desta vez deu para experimentar diferentes condições climatéricas: muito sol e terreno seco pela manhã, muita chuva e lama pela tarde. O resultado foi mais um dia excelente de grandiosos momentos de condução.


Finalmente, o quarto e derradeiro dia seria passado com a “divisão Junior” da Hyundai. Teemu Suninen pela manhã e Fau Zaldivar pela tarde, no mesmo troço utilizado no dia anterior pelo Sordo, e aos comandos de um não menos espetacular Hyundai i20 Rally2 que em momento algum deu parte fraca, apesar do estado lastimoso dos pisos, da muita chuva que os acompanhou praticamente o dia todo e do ritmo frenético imposto por ambos os pilotos sem poupar nadinha.


Ao longo destes quatro dias de algum trabalho, de algumas fotografias mas sobretudo de muito divertimento com a espetacular equipa de Marshal’s que o VMC reúne já à vários anos, a boa disposição foi uma constante, tal como constante foi o tradicional grelhador e as “famosas pedras que é preciso tirar do troço no posto 8”. Fome, esta equipa não passa!

RALI DE SANTO TIRSO, UM EVENTO SEM PARALELO MAS COM PARALELOS


Despido o colete de Marshal, rapidamente vesti o fato de competição para voltar às lides da navegação com o bom amigo José Carvalhido. O Rali de Santo Tirso é uma prova que ambos gostamos, que em 2022 nos correu bastante bem e que tínhamos muita vontade de voltar a disputar.

Aproveitando o facto da prova ser praticamente igual à edição do ano passado, o trabalho de reconhecimentos estava muito facilitado com as notas já tiradas. Uma passagem por cada troço apenas para limar arestas e siga para as verificações a fim de ter o carro prontinho em parque de partida a boa hora.


A motivação da equipa estava em alta, o nosso Peugeot parecia estar em boa forma e no primeiro de dois dias de competição teríamos apenas de cumprir com muito juízo a Super Especial citadina desenhada naquele espetacular anfiteatro do Parque Dona Maria II na qual vários milhares de espectadores dão um colorido fantástico à modalidade que tanto gostamos.

Durante a noite o São Pedro decidiu regar as plantas e os jardins de Santo Tirso mas acabou também por deixar a agua da chuva escorrer com abundância para as estradas do rali e o dia seguinte acordava com alguma instabilidade meteorológica que deixava no ar algumas incertezas: irá chover mais? Será que os pisos estão muito molhados? Provavelmente o piso vai estar muito escorregadio, que pneus devemos levar…? Onde é o almoço? (Ah…não, esperem! Esta pergunta não era daqui…).


Lá fomos para a secção matinal com algumas cautelas pois sabíamos de antemão que a chuva da madrugada deixou algumas partes dos troços algo complicadas, mas como o nosso objectivo passava por não arriscar minimamente a nossa integridade, cumprimos em bom ritmo as primeiras passagens pelos dois troços, melhorando logo os tempos por classificativa, relativamente ao ano de 2022 (que foi disputado com bom tempo e piso seco, portanto…evolução contínua).

Vamos então para a primeira secção da tarde com a segunda das três passagens por Mourinha / Hortal. Ritmo seguro e rápido na parte inicial até ao “gancho da paragem”, aqui abordagem mais conservadora para poupar as transmissões, e entramos na parte do empedrado.


Direitas e esquerdas rápidas a subir, depois uma travagem mais forte para uma esquerda mais “marota” e a partir daqui gás à tábua novamente até chegar àquela curva à direita que abordávamos normalmente com vontade (o mesmo é dizer que a fazíamos bastante depressa). Só que desta vez tivemos uma surpresa à nossa espera: os paralelos da calçada fartaram-se da posição em que estavam e decidiram vir todos para a rua ver o rali. Apanhados de surpresa naquela pedreira a céu aberto no meio da estrada, só deu para evitar o primeiro cubo granítico. Felizmente que as pedras não têm vida pois o que veio a seguir seria qualificado de carnificina. Atropelamos uns quantos (não os contei mas ouvi o barulho deles a bater por baixo do carro… ouvi e senti) por entre umas derrapagens pronunciadas a que o bom timoneiro do volante soube responder com mestria segurando o leão dentro dos limites da estrada.


Não foi preciso muito para percebermos que aquele número de circo deu asneira. Um furo na roda traseira direita denunciado por uma monumental atravessadela logo na curva seguinte e não nos restava outra solução que não fosse parar e trocar a roda. Pela primeira vez troquei uma roda em pleno troço, tal como o Zé. E claro que sem os equipamentos das equipas de fábrica do WRC, essa operação levou ligeiramente mais tempo que levaria uma equipa profissional… ligeiramente! Foram “só” cerca de 7 minutos perdidos com esta operação, e portanto estava definitivamente arrumada a questão da classificação final.

Mas num momento de frustração e de raiva pelo sucedido, toda aquela restante classificativa foi percorrida num ritmo que nem eu sabia que o Zé Carvalhido era capaz de impor. Valeu cada metro, que mestria! Sinceramente, tive dificuldade em acompanhar nas notas em algumas partes! (Se fosse assim o rali todo não sei como terminaria mas decerto ainda acabávamos a “meter nojo” lá no meio dos tubarões). Foi top!

Refeitos e resignados deste contratempo, seguimos a nossa prova dispostos a desfrutar. São troços do nosso agrado, não iríamos desperdiçar a oportunidade de acelerar naquelas estradas. E assim foi. Sem colocar em causa a nossa permanência em prova, percorrermos todo o restante do rali a divertirmo-nos, a desfrutar do gozo que o Peugeot nos dá (que carro!!) e a levar a máquina até ao final sem qualquer mazela, sem qualquer avaria. Parabéns equipa, excelente trabalho de bastidores.


Estava assim concluído o rali, com uma classificação final abaixo das nossas capacidades, mas quando analisamos a tabela de tempos e vemos melhorias em todas as classificativas, quando nos sentimos satisfeitos pelo que andamos, quando nos sentimos realizados pelo gozo que o rali nos deu, o balanço final continua a ser positivo.

E assim passou mais um rali, desta vez disputado “no meio” de toda a acção do Rali de Portugal, com testes e mais testes das equipas do Mundial na nossa região. Testes esses que me obrigaram a ir trabalhar no dia seguinte, domingo, porque a Encontro de Margens não pode parar e porque quem tem vícios também tem que fazer sacrifícios.

O RALI DE PORTUGAL ESTÁ DE REGRESSO: A GRANDE ROMARIA ANUAL


A semana seguinte ao Rali de Santo Tirso iniciou com mais uma jornada de testes, desta vez com a M-Sport e os seus Rally2 no espetacular troço da Labruja. Um dia tranquilo do ponto de vista da segurança e que passou bastante rápido, tal como os Fiestas do Fourmaux, do Munster e do Virves, dando por encerrados os testes de 2023 para nós. Agora era tempo de preparar a grande festa: o Rali de Portugal era dali a 3 dias.


Mas desengane-se quem pensa que a minha vida é só ralis. Nessa mesma semana ainda fui trabalhar mais dois dias!! Uma loucura! (Um dia ainda acabo nas filas do centro de emprego e nem vou saber porquê).


Quinta feira, bem cedo, equipa do NV Sport reunida e de partida para Baltar. O nosso “road book” estava definido (uma vez mais e de forma democrática, fui obrigado a ser eu a definir o programa de 4 dias intensos de rali), iríamos ao Shakedown, seguindo-se uma visita à Exponor para ver o parque de assistência, com paragem para almoço num sítio fabuloso que nos recebe como reis e onde o repasto é digno de registo (obrigado amigo Orlando…voltaremos com certeza), antes da partida para Coimbra onde iríamos presenciar a cerimónia de partida.

Com os timings mais ou menos alinhados, o nosso primeiro dia de Rali de Portugal terminaria n’A Grelha. Não que tenhamos sido detidos e fossemos para a prisão, mas porque nos recomendaram um local para jantar em Arganil (Restaurante A Grelha) e do qual saímos bastante satisfeitos.

Neste primeiro dia, de destacar a simpatia e disponibilidade de vários pilotos e co-pilotos que na partida do Shakedown nunca se negaram ao tradicional autógrafo. Entre estes destaco a equipa italiana do Skoda Fabia Rally2 Evo número 67 – Luciano Cobbe e Roberto Mometti, especialmente o navegador, que fez questão de fotografar a revista onde tinha assinado (o Guia do Rali de Portugal que o NV Sport faz já desde 1994) e que de seguida me convidou a entrar no Skoda para me tirar uma fotografia. Grazie mille Roberto!!


Chegados ao alojamento na aldeia de Benfeita, em plena serra e já de noite, era tempo de descansar para o primeiro dia de rali a sério.


A sexta feira amanheceu com um solarengo dia de temperaturas amenas e como na noite anterior não deu para ver exactamente onde estávamos, foi com um choque muito bom que dei por mim a saborear toda a envolvência daquele sitio. As vistas magnificas, a pacatez do local e o silêncio apenas quebrado pelo cantar dos passarinhos, faziam daquele um momento de poesia pura e que me deslumbrou por completo. Sou um apaixonado confesso pela Serra do Açor e pelas suas paisagens, mas não estava a contar com um despertar daquele calibre. Hei-de voltar!


Chegamos em boa hora ao troço de Arganil a tempo de procurarmos um bom “spot” para vermos a primeira passagem, e quase sem contar encontramos uma daquelas chamadas “zona de refúgio”, que não são assinaladas como zona de público mas onde é permitido assistir ao rali em segurança. Um local espetacular e no qual apenas estávamos ao todo 7 civis e um militar da GNR (super prestável, diga-se) que não nos colocou qualquer entrave à nossa presença ali.


Assistimos desse local à primeira passagem e após o almoço, decidimos mudar de local. Sem conhecer, escolhemos a zona do Baloiço de Esculca para assistir à segunda passagem e, se de manhã estivemos na paz e sossego do Senhor, de tarde aterramos no cenário oposto, tal era a quantidade de gente (e nem toda, capaz de acatar ordens da GNR). Uma descida impressionante feita a velocidades igualmente impressionantes e um verdadeiro banho de pó da cabeça aos pés, só porque rali sem pó nem era a mesma coisa.

Estava feito o segundo dia de rali, o plano seguinte era dar continuidade ao roteiro gastronómico do grupo para um jantar em condições (porque isto de passar o dia na serra abre muito o apetite).


Os terceiro e quarto dias até nem tiveram assim muita história para contar. No sábado, Felgueiras 1 e Vieira do Minho 2 foram os locais escolhidos, sempre em excelente ambiente de divertimento por parte de todos os cinco do grupo que envergamos as cores do NV Sport e sempre sem qualquer problema com a confusão que este evento desportivo gera devido à imensa quantidade de gente que movimenta.

Sem qualquer problema excetuando Fafe, no domingo. Foi uma escolha infeliz, admito, mas optamos por tentar chegar ao Salto da Pereira no troço da Lameirinha, para ver a primeira passagem, e só vos digo isto: metemo-nos num aperto tão grande que nem a minha camisa do NV Sport, tamanho “M” de 2022 me aperta tanto na barriga. Acesso estreito e completamente lotado, falta de estacionamento e uma confusão tremenda de carros e motas a cruzarem-se uns pelos outros. Felizmente que encontramos 3 agentes da GNR (mais uma vez, o meu aplauso para a postura da GNR, que foi impecável em todo o momento), que souberam agilizar de acabamos por passar ali um bom momento de rali numa zona em que os carros atingem velocidades incríveis.


Para a segunda passagem, fomos para o final da classificativa, de onde se vê o famosíssimo Salto da Pedra Sentada e onde de forma privilegiada podemos ver o pódio do rali com as estrelas todas ali à nossa volta. É sempre um momento especial poder lidar de perto com todo aquele “aparato” da WRC TV, das suas caras conhecidas, dos pilotos e navegadores, de nomes sobejamente conhecidos (entre os quais o Sr. Malcom Wilson, do qual consegui finalmente o autógrafo que tanto queria… admiro mesmo aquele homem por tudo o que deu e dá aos ralis). E claro, a festa do champanhe com os vencedores é também um momento especial de ver ao vivo.


Era tempo de rumar a Matosinhos para os últimos cartuchos – a entrega de prémios e a entrada em parque fechado. Este é sempre um bom momento para tentar aquele autógrafo que falta na coleção ou a selfie com o piloto que mais admiramos. É um momento de descontração dos craques e é simultaneamente o momento em que a nostalgia ataca. De repente dou por mim a pensar que já terminou, que toda esta aventura de 4 dias só se repetirá no próximo ano. E esta nostalgia custa a compreender porque nunca sei se é um sentimento bom ou se me deixa triste. Espero para o ano voltar a sentir o mesmo para tentar perceber (tal como tentei em 2019, 2021, 2022…)

Bem sei que este texto vai longo como tudo mas falta falar do “to be continued” que frisei logo no início. Porque vem já aí a Rampa da Falperra, outro evento magnifico com máquinas que não se veem todos os dias, e de seguida será tempo de preparar mais um rali – o Rallyspirit, no qual terei o enorme gosto de voltar a navegar o “teacher” Santos Pereira no seu Opel Kadett.


Obrigado equipa do VMC, obrigado Carvalhido Racing Team, obrigado equipa do Notícias de Viana Sport. Foram dias incríveis os que vivi graças também à vossa presença. E aos que conseguiram ler até este parágrafo, o meu muito obrigado pela paciência.

Vemo-nos em breve? Bons ralis…

 


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